sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

O mais misterioso nascimento!

Nas sombras do dia encontramos uma certa imagem do mistério, mas é sobretudo à noite que a linguagem deste é mais intensa e simbólica. E foi este o período escolhido por Deus para o nascimento de seu Unigênito. Ele deveria surgir no silêncio, desconhecido para a grande maioria dos homens. A revelação de sua existência acompanharia os lentos ritmos da natureza criada, como a suavidade de um nascer do sol. Os méritos de nossa fé necessitavam de tal procedimento para poder atingir um elevado grau. Só mesmo por efeito da graça poderia uma criatura inteligente adorar o Salvador posto sobre as palhas de uma manjedoura, ladeado por um burro e um boi.
O povo dormia, a quietude cobria como um denso manto as mais variadas regiões daqueles arredores. Em meio ao frio do inverno, as estrelas cumpriam, despertas e cintilantes, sua função, os pastores guardavam suas ovelhas e só Maria e José, com os Anjos, adoravam o recém-nascido Menino-Deus. O dilúculo de uma nova era se iniciava numa simples gruta.
Como pode ter acontecido que o mais importante nascimento da História tenha-se dado em tão grande anonimato?
Se alguém daquela época conseguisse avançar seu próprio calendário por 2011 anos e contemplasse, com os conhecimentos de hoje, o Divino Infante, indizível seria sua consolação e alegria.
As Escrituras de alguma forma davam elementos para o povo eleito esperar uma intervenção divina para breve, e o próprio Espírito Santo deveria agir sobre as almas nesse sentido. Mas, exceção feita de Maria e José, ninguém chegaria a tão elevada conclusão. Naquela noite, a União Hipostática de duas naturezas, uma criada e outra divina, se tornava realidade aos olhos humanos, mas só a Deus cabiam as qualidades para entender tão elevado mistério.
Assim age a Divina Providência ao longo da História. Para se entender o mais fundo de suas ações, é preciso, quase sempre, deixar correr o tempo, e ser auxiliado pela sua graça. Nada se passa no processo humano sem ter por trás motivos que nossa razão, por si só, não alcança.
Vivemos hoje numa noite mais densa, e talvez até sem as estrelas daquela Beata nox. Terão chegado a seu termo os efeitos do nascimento de um Deus? Há pouco ainda, na festa de Todos os Santos, líamos no Apocalipse que um Anjo ordenou a outros quatro que tinham recebido o poder de danificar a terra e o mar: “Não façais mal à terra, nem ao mar, nem às árvores, até que tenhamos marcado na fronte os servos do nosso Deus” (Ap 7, 3). Quiçá não dirá respeito à nossa época essa profecia. Horrores e pecados não faltariam para atrair à terra Anjos justiceiros tomados de santa cólera. Mas, estará completo o número dos justos? Não são, desta vez, as Escrituras a nos falarem, mas sim a própria Santíssima Virgem, em Fátima: “Por fim, meu Imaculado Coração triunfará”.
Aproximemo-nos do Menino-Deus nesta noite de Natal e, pelas mãos de Maria e José, ofereçamos a Ele nossa Fé em seu poder, agindo sobre os desastres e crises atuais e deles fazendo nascer o Reino glorioso de sua e nossa Mãe Santíssima.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O tempo em que fomos visitados

 “Se tu também compreendesses hoje o que te pode trazer a paz! Agora, porém, isso está  escondido aos teus olhos!” (Lc 19, 42). Jesus pronunciou essas palavras, entre comovedores soluços, enquanto suas divinas lágrimas Lhe escorriam pela face, infiltrando-se pelas barbas adentro.
Uma das mais emocionantes passagens do Evangelho. Sendo Deus, o Cristo é também homem com todos os sentimentos próprios à nossa natureza, se bem que totalmente isento do pecado. Seu Coração possui uma sensibilidade perfeita e acabada, e, com um insuperável instinto de sociabilidade, transbordava dos melhores anseios de fazer bem a todos e a cada um. Aquele era o seu povo e ali estava a cidade da “beleza perfeita, alegria do universo” (Lm 2, 15). Nela se encontrava o Templo no qual Ele havia sido oferecido ao Pai por Simeão, e resgatado por Maria e José. Por suas paredes e colunas ainda ecoavam seus ensinamentos de
Mestre e Profeta. Ruas, vielas, casas e praças, todos os edifícios haviam sido acariciados pelas luzes da presença do Salvador, embelezados por seus incontáveis olhares e vivificados pelas suas palavras de plena sabedoria. Seu Coração necessitava de reciprocidade, era indispensável que Jerusalém aceitasse a paz oferecida com tanta exuberância.
Nessa hora de tristeza o Redentor recordaria sua Encarnação, seu nascimento na Gruta em Belém, seu empenho enquanto Deus, desde toda a eternidade, de oferecer a paz aos seus, mesclado agora com os anseios de seu humano e Sagrado Coração.
Jesus talvez já houvesse chorado em sua tenra infância, na manjedoura onde seu delicado corpo repousava; e, como já conhecia todo o seu futuro, via com antecedência, nessa ocasião, o pranto sobre Jerusalém. Feria-O também, e muito, o considerar os trágicos efeitos dessa recusa: “Dias virão em que os inimigos farão trincheiras contra ti e te cercarão de todos os lados. Eles esmagarão a ti e a teus filhos. E não deixarão em ti pedra sobre pedra, porque não conheceste o tempo em que foste visitada” (Lc 19, 43-44).
Mas essa é a paz oferecida a toda e qualquer cidade ao longo da História, até o fim do mundo. Jesus, em nenhum momento, deixa de oferecê-la a cada um de nós, aos povos e às nações. Em meio às crises múltiplas, universais e crescentes, o Menino Deus estará no Presépio convidando-nos a abraçar a verdadeira paz. Ali — não em lágrimas, mas sorridente — de braços abertos acolherá nossas súplicas e nos concederá a paz, não como no-la oferece o mundo. Dispõe-se a saciar-nos de nossa sede de infinito, aquietando nossas paixões na temperança do amor à virtude e à santidade.
Saibamos nós, nossas cidades e nações aproveitar essa tão excelente ocasião para resolver todas as crises de nossos dias, amando e vivendo essa tranquilidade de alma e de circunstâncias entregue a nós na Noite de Natal. E assim reconheceremos “o tempo em que fomos visitados”.

domingo, 13 de novembro de 2011

A força da santidade

Nosso Senhor Jesus Cristo não só afirmou em várias ocasiões sua divindade — “Eu e o Pai somos um” (Jo 10,30) —, como também a confirmou por meio de portentosos milagres.
Nenhum mal resistia a suas ordens, quer fosse a febre ou a paralisia, a surdez ou a mudez, a cegueira ou a lepra, e até mesmo a morte, pois Ele ressuscitou o filho da viúva de Naim, a filha de Jairo e Lázaro. Seu domínio se estendia sobre os seres minerais, vegetais e animais: a seu comando, a tempestade se amainou no Mar da Galiléia, a água se transformou em vinho, pães e peixes se multiplicaram. Mais ainda, os demônios se submeteram prontamente, como nos casos dos possessos de Gerasa e de Cafarnaum. E todas as suas profecias se cumpriram: a traição de Judas, as três negações de Pedro, a Paixão, a destruição de Jerusalém, as perseguições sofridas pelos Apóstolos. Por fim, seu poder se manifesta com todo o esplendor em sua própria Ressurreição.
Com esse domínio divino sobre toda a Criação, Jesus teria podido facilmente conceder uma irresistível graça de santificação aos homens, assim como livrá-los de tentações e más inclinações. Afinal, é ardente seu desejo de que todos se salvem, a ponto de ter entregado sua própria vida com essa finalidade.
Mas, então, por que Ele não agiu assim?
Em sua infinita sabedoria, Nosso Senhor deseja que as almas se abram para Ele por puro amor, deixando-se trabalhar por sua graça. Coloca os homens no estado de prova, a fim de adquirirem méritos, fazendo bom uso do livre arbítrio.
Não é fácil a batalha pela virtude. Deus conhece nossas debilidades muito melhor do que nós mesmos, Ele que “sonda os rins, e penetra até o fundo do coração” (Sb 1,6). Sabe quão árduo é o esforço para andar no caminho reto, e ampara quem é provado por permissão divina. Visando ajudar a humanidade a salvar-se, deu-lhe preciosos recursos como os Sacramentos, entre os quais se destacam a Eucaristia e a Reconciliação, a Liturgia, com suas diversas cerimônias, e o ensinamento infalível do Papa.
Suscitou também pessoas virtuosas, cujos exemplos enlevam e arrastam. Um Paulo de Tarso fez a Igreja nascente se multiplicar pela orla do Mediterrâneo; um Francisco de Assis e um Domingos de Gusmão conseguiram deter a crise espiritual que ameaçava o mundo cristão no século XIII; um Pedro Canísio resgatou para a Igreja vastas áreas perdidas por ela no mundo germânico. Pessoas não brilhantes de inteligência, como João Maria Vianney ou José de Cupertino, foram pontos de referência em seus dias. Teresa de Ávila cativou a Espanha, Hildegarda de Bingen e Catarina de Siena foram conselheiras até dos grandes deste mundo. Bernon, Odon, Maïeul, Odilon e Hugo — os cinco abades santos de Cluny — exerceram uma tal força de atração sobre as multidões e as elites, que sua Ordem moldou a Europa católica na Idade Média.
Tudo isso, sem usar nenhum meio violento, nenhuma coerção, sem riquezas nem manobras políticas, e sem truques publicitários. Mas pura e simplesmente pela suave e irresistível força da santidade.

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Rei dos Reis

Viviam os hebreus sob a proteção do Senhor e eram por Ele orientados através de seus profetas. Era a única nação a gozar de um regime teocrático. Debaixo dessa forma de governo, haviam abandonado a escravidão egípcia, caminhado pelo deserto entre milagres durante quarenta anos e vieram, por fim, se estabelecer na terra onde corria o leite e o mel. Apesar de terem passado pelas agruras dos castigos, por não haverem cumprido suas promessas, as intervenções de Deus, libertando-os de sucessivos opressores, marcaram- lhes a história, consagrando-os como o povo eleito.
Entretanto, o seu glorioso passado não foi suficiente para fazê-los crer no poder de Deus, e menos ainda em seu amor, nem para evitar que eles desejassem ser como os demais povos: “Dá-nos um rei que nos governe, como o têm todas as outras nações” (I Sm 8, 5).
O mimetismo pode gerar bons frutos, quando movido por amor de Deus; mas, se tem suas raízes na comparação, inveja ou insegurança por falta de fé, como aconteceu com o povo hebreu, as consequências desastrosas são incalculáveis. A primeira delas é dar as costas ao próprio Deus: “Não é a ti que eles rejeitam, mas a Mim, pois já não querem que Eu reine sobre eles” (I Sm 8, 7). E apesar de ter ouvido dos lábios do profeta a ladainha das inferioridades do regime monárquico em relação ao teocrático, “o povo recusou ouvir a voz de Samuel. Não, disseram eles; é preciso que tenhamos um rei! Queremos ser como todas as outras nações!” (I Sm 8, 19-20).
É insondável a misericórdia divina. Correram os séculos e Deus atendeu prodigamente os anseios do povo eleito: deu não só a eles, mas a toda a humanidade, não um grande rei, mas o “Rei dos reis, Senhor dos senhores” (I Tm 6, 15). Concentrou num mesmo Homem a realeza, a “messianidade”, o profetismo e o sacerdócio, oferecendo-lhes um Reino eterno e infinitamente superior a qualquer outro deste mundo.
Nova rejeição! Porém, dentre os mortos Ele ressuscita e, sendo “as primícias dos que morrem” (I Cor 15, 20), oferece-nos a Ressurreição também a nós: “pois assim como todos morrem em Adão, assim também todos serão vivificados em Cristo” (idem, 22).
Também insondável é a maldade humana. Eis a grande infidelidade de todas as nações de nossa era, a rejeição de Cristo Rei para agarrar-se aos prazeres perecíveis e fugazes, num mimetismo desgastado e sem sabor, de um mundo decrépito, falido e inautêntico. Quiçá nas solenidades da magna festa de Cristo Rei, Jesus Hóstia — tão realmente presente em Corpo, Sangue, Alma e Divindade quanto o estava em Israel — possa ouvir nosso brado: “Jesus, Filho de Davi, tende piedade de nós”. E assim, atendendo-nos, traga-nos a verdadeira paz da qual tanto hoje necessitamos.
Tanto mais que sendo “verdadeiramente ‘Rei do Universo’, Ele tudo governa e tudo renova para poder, no fim, ‘entregar’ o mundo ao Pai, ‘para que Deus seja tudo em todos (1 Cor 15, 28). (...) Aplicai-vos para que a sua realeza se manifeste no vosso esforço de viver as realidades do mundo, transfigurando- as com o amor e o louvor de Jesus.” (Discurso de SS. João Paulo II aos peregrinos, 25/11/2000).

sábado, 5 de novembro de 2011

Jesus fez infinitamente mais do que escrever

Jesus percorreu as cidades e aldeias pregando a Boa Nova, andou sobre as águas, transformou água em vinho, multiplicou pães e peixes, curou leprosos, restituiu a voz aos mudos, fez os surdos ouvirem, ressuscitou mortos... Entretanto, não escreveu sequer um bilhete, menos ainda um rolo de revelações.
Não Lhe custaria multiplicar as cópias das Escrituras já existentes. Poderia também mandar os Discípulos escreverem de imediato suas doutrinas em rolos de papiro e multiplicá-los — superando mesmo, se assim desejasse, a produção de todas as impressoras fabricadas desde Gutenberg até nossos dias — para serem distribuídos às multidões.
Entretanto, Ele nada escreveu, nem multiplicou qualquer pergaminho, mesmo dos que leu tantas vezes nas sinagogas. Também não deixou instrução alguma quanto à redação ou utilização de textos relativos à sua vida.
Que fez Ele? Infinitamente mais do que tudo isso: na Última Ceia, instituiu a Sagrada Eucaristia, pala qual permanece conosco com seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade.
E deixou-nos uma imagem viva de Si mesmo: a Igreja
Além disso, sabendo quanto os símbolos vivos são necessários ao homem para lhe dar o conhecimento de Deus, deixou-nos a Santa Igreja Católica, na qual sua fisionomia divina se reflete como num espelho. No ápice da Igreja, o Papa, o Doce Cristo na terra, a sucessão apostólica. Fez questão de nos dar também almas santas, como o Santo Cura d’Ars, do qual disse um advogado parisiense: “Vi Deus num homem”. Ao longo da História, afirma São Roberto Belarmino, sempre existiram e continuarão a existir almas confirmadas em graça, imagens de Deus, para manter visível a santidade da Igreja.
Por fim, como o homem precisa valer-se dos sentidos para ter uma idéia mais próxima de quem é Deus, colocou Ele à nossa disposição esse meio poderoso de melhor o conhecermos e servirmos, que se chama Arte, nas suas ricas e variadas manifestações: Escultura, Pintura, Música, Teatro, Arquitetura, etc.

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Sacerdos alter Christus

Ficarei convosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28, 20). Que extraordinária promessa nos fez o Senhor, pouco antes de subir ao Céu! Falava Ele com os Apóstolos e, embora tais palavras fossem dirigidas a todo o gênero humano, continham uma mensagem especial para eles.
Com efeito, Cristo nosso Senhor se faria presente entre nós de vários modos, mas particularmente na voz infalível do Papa, na distribuição dos Sacramentos e, em especial, na sua real presença na Sagrada Eucaristia. Ora, todas essas maneiras de presença estão vinculadas ao sacerdócio e são dele dependentes. Era natural, pois, que Jesus, ao instituir a Santa Igreja, a entregasse à direção de homens que deviam ser seus representantes e sucessores: “Sacerdos alter Christus”.
Seja no confessionário, no altar ou no púlpito, o sacerdote é outro Cristo, e está continuando a própria missão do Homem-Deus nesta terra, quer dizer, a de ensinar a verdade, a de santificar e a de conduzir os homens no caminho da salvação.
Quão enorme é o poder de perdoar os pecados! Maior até do que o de curar os paralíticos, conforme afirmou o próprio Jesus (Mt 9, 2-7). Esse poder, Ele o conferiu aos Apóstolos para que o perpetuassem na sua Igreja, ao soprar sobre eles e dizer: “Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos” (Jo 20, 22-23).
E o que dizer do poder de celebrar a Eucaristia, consagrando o pão e o vinho? Sobre a grandeza da Celebração Eucarística, os Doutores, os Padres da Igreja e os Papas nos deixaram belas e profundas reflexões, como esta, de João Paulo II: “Diante desta extraordinária realidade ficamos atônitos e abismados: como é grande a humildade condescendente com que Deus Se quis ligar ao homem! Se nos detemos comovidos diante do Presépio contemplando a Encarnação do Verbo, como exprimir o que se sente diante do altar onde, através das pobres mãos do sacerdote, Cristo torna presente no tempo o seu Sacrifício? Só nos resta ajoelhar e em silêncio adorar este mistério supremo da fé” (Carta aos Sacerdotes, Quinta-Feira Santa de 2004).
Entende-se melhor por que São Francisco de Assis osculava o lugar por onde havia passado um sacerdote e jamais aceitou ser ordenado presbítero, julgando-se indigno (por causa de sua extrema humildade, é claro) de ser elevado a esse extraordinário estado.
Não é, portanto, sem fundamento que, nas relações humanas, haja uma exigência quanto à transparência dos variados aspectos da divina figura de Jesus nos seus sacerdotes, como afirmava São Paulo: “É preciso que os homens vejam em nós ministros de Cristo e dispensadores dos mistérios de Deus” (1 Cor 4, 1).
Sobretudo no mais recôndito de sua alma, o padre é um outro Cristo, por ter recebido uma especial consagração, participativa daquela verificada na natureza humana de Nosso Senhor por sua união hipostática com o Verbo. Um só é o sacerdócio: o de Jesus Cristo, participado e continuado ao longo da História por seus sacerdotes.

domingo, 23 de outubro de 2011

PARA AS ALMAS ÁVIDAS DE FÉ

Katechesis, termo grego, significa instrução pela palavra oral, especialmente pelo sistema de perguntas e respostas. O primeiro catequista da História foi o próprio Jesus, que com frequência usava esse método para instruir: “No dizer do povo, quem é o Filho do Homem? — E vós, quem dizeis que Eu sou?”
Se os escritos do Novo Testamento foram, de algum modo, catecismos, a primeira obra definidamente catequética foi escrita por São Cirilo, no ano 347, num estilo muito claro e lógico. Por volta do ano 400 ficou famoso um tratado redigido por Santo Agostinho, que acabou sendo adotado universalmente. Durante a Idade Média foram elaborados diversos catecismos muito populares, mas era impossível fazer chegar um exemplar a cada família, devido ao alto custo das reproduções.
Essa situação mudou de forma extraordinária com a invenção da imprensa, que levou à publicação de edições em todas as línguas da Europa.
No século XVI surgiu o primeiro catecismo internacionalmente famoso, do jesuíta holandês São Pedro Canísio, visando reparar o dano causado no meio do povo fiel pelos escritos protestantes. Tal foi seu sucesso que “canísio” virou sinónimo de “catecismo”. Pouco depois, o Concílio de Trento viu a necessidade de um manual popular que aplicasse “um remédio salutar” àquela situação. Por incitamento de São Carlos Borromeu foi então publicado o Catecismo Romano, um método “para ensinar os rudimentos da Fé, que sempre gozou de grande autoridade”.
Multiplicaram-se desde então os catecismos, nacionais, regionais ou diocesanos. Por ocasião do Concílio Vaticano I (1869-1870), urgiu-se a redação de um catecismo popular universal. Os países cristãos ocidentais passavam então por grandes transformações, como as enormes ondas de emigrantes que partiam da Europa em várias direções. Sendo único o catecismo, um católico sentir-se-ia em casa tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, na África do Sul ou na Austrália.
Circunstâncias históricas impediram que tal catecismo fosse preparado naquela ocasião. Mas não demorou para ser posto em prática o projeto, de modo bastante inesperado. O Papa São Pio X elaborou um catecismo simples e breve, na clássica forma de perguntas e respostas, expressando o desejo de que fosse adotado em toda a Itália. Contudo, notando sua utilidade, um amplo movimento de clérigos e leigos advogou sua adoção no mundo inteiro, e conseguiu seu intento.
Correram as décadas, e o nosso mundo globalizado passou a exigir um novo catecismo, capaz de afrontar os desafios do momento. Quando o Sínodo Extraordinário dos Bispos de 1985 sugeriu a publicação de um compêndio sobre Fé e Moral, que servisse de ponto de referência para todos os outros catecismos, o saudoso Papa João Paulo II abraçou a ideia e promoveu sua publicação, que veio a lume em 1992.
Faltava responder às necessidades da maioria dos fiéis, pouco habituados aos conceitos teológicos, e imersos na “civilização da imagem” — que não favorece abstrações doutrinárias. Era indispensável um compêndio do catecismo numa linguagem mais acessível. Foi o próprio João Paulo II quem o encomendou ao então Cardeal Ratzinger.
O Papa Bento XVI apresentou esse trabalho quando centenas de milhões de pessoas, católicas e não-católicas, sentem o agravamento da crise geral e voltam seus olhos esperançosos para a Barca de Pedro, à procura de algo firme em que se agarrar.
Ninguém ama o que não conhece. A Igreja colocou, assim, um esplêndido manual de educação religiosa ao alcance das almas ávidas de fé.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Perdão

Pode-se discutir sobre qual a posição normal do homem, se de pé ou sentado. E haverá um sem-número de opiniões discordantes a este respeito. Muito mais importante, e mais fácil, será chegar-se a um acordo quanto à necessidade de ajoelhar-se diante de Deus, como símbolo da nossa humildade ante o Criador. Em sua infinita e onipotente majestade, como também nas manifestações de sua inesgotável misericórdia, Jesus mais nos atende e nos perdoa ao encontrar-nos de joelhos no chão.
Esta atitude é justamente o que falta à nossa era histórica.
Grandes inventos e descobertas fabulosas, em meio a um progressivo afastamento de Deus, conferem à humanidade uma ilusão cada vez mais acentuada sobre sua própria grandeza. Erguida sobre um pedestal de barro, ela alça ao ar seu troféu de vanglória, sem se dar conta de quanto já vacilam seus pés sobre a inconsistência do solo onde pisam. Ó ciência, onde está tua vitória? Em seu nascedouro, o progresso moderno e as novas técnicas visavam o bem de todos. Hoje, porém, quantos deles passaram a ser instrumentos de destruição! Por mais que se esforcem os poderes legitimamente constituídos para refrear, corrigir e ordenar os desvios e — por que não dizer? — as loucuras dos tempos presentes, nada conseguirão.
Para isto, a única solução cabível, honesta e eficaz consiste em fazermos uso do genuflexório para pedir perdão a Deus pelo fato de O termos esquecido e implorar que nos receba de volta em seu amparo, ainda que seja na condição de servos.
Não estarão longe os dias de calamidade e miséria, se continuarmos na terrível trilha por nós escolhida. Mas será necessário chegarmos ao extremo de comer as bolotas dos porcos, para tomarmos a decisão de retornar à casa paterna? Não! A qualquer altura do caminho, bastará nos ajoelharmos e batermos no peito, implorando misericórdia.
Façamos penitência e, buscando um confessionário, declinemos com humildade todas as nossas faltas, à espera da absolvição sacramental, a fim de recuperarmos o estado de graça e restabelecer-se em nós a inteira amizade com Deus.
O grande Patriarca da Igreja muito pode nos ajudar nessa sobrenatural tarefa. São José possui uma especial audiência junto a Jesus e a Maria, sua intercessão é poderosa e ele muito se alegra ao ser invocado. Só um recurso ao Céu poderá desviar as catástrofes que se avolumam no horizonte de nosso amanhã. Para que elas não nos colham, é indispensável à humanidade... dobrar os joelhos.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Nunca por causa dos trabalhos deve-se deixar a oração para segundo plano. A força da ação está na oração.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Em Jesus encontramos a solução

Eis que estarei convosco todos os dias até o fim dos séculos” (Mt 28,20). Solene compromisso, penhor divino, últimas palavras ditas por Jesus nesta terra, no exato momento em que estava para iniciar sua ascensão ao Céu. Sinal de sua inesgotável bondade e de seu desejo de permanecer conosco.
Já antes havia Ele prometido: “Onde dois ou mais estiverem reunidos em meu nome, eu estarei no meio deles” (Mt 18, 20). No entanto, há um modo mais esplêndido e palpável de sua permanência conosco: pela infalibilidade pontifícia. Cada vez que o Papa se pronuncia de maneira infalível, podemos estar certos de que é o próprio Jesus que nos fala por meio de seu Vigário na terra. Devemos aderir a essas definições de modo dócil, ardoroso e constante, pois é através da infalibilidade pontifícia que temos entre nós a presença de Jesus Verdade.
Outra presença de Jesus se manifesta através das almas que o Espírito Santo conserva em sua graça. Variam as épocas, mudam-se os costumes, impérios são arrasados, a ciência progride, mas subsiste sempre um pugilo de homens e mulheres de alta virtude, um Agostinho ou uma Clara de Assis, um Inácio de Loyola ou uma Maria Goretti, uma Teresa de Ávila ou um Pio de Pietrelcina, nos quais podemos contemplar nosso Salvador. É Jesus Santidade, que transparece em todos os tempos, algo indispensável até mesmo para a continuidade da Igreja.
Contudo, nada pode superar a presença real no Santíssimo Sacramento, Jesus Eucaristia – Jesus Totalidade, em corpo, sangue, alma e divindade, presença substancial, se bem que sob as aparências de pão e de vinho. Era a essa presença que Ele mais especificamente se referira quando disse que permaneceria conosco.
Talvez nos sintamos oprimidos diante da enormidade dos problemas que afligem nossos dias. Ora, encontrar solução para eles é muito menos difícil do que podemos imaginar. Basta procurarmos aquele mesmo Jesus que trilhou os caminhos da Terra Santa, curando, perdoando, ressuscitando e salvando, e que hoje, por infinito amor a nós, se encontra à nossa espera sob o véu do Pão dos Anjos.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Por fim meu Imaculado Coração Triunfará

Era noite, a ordem do universo havia sido abalada no seu cerne mais íntimo, até as areias dos oceanos e dos astros sofriam as conseqüências do grande crime do deicídio iniciado no Horto das Oliveiras e consumado no Calvário. No sepulcro jazia um Corpo dilacerado pela ação dos flagelos da impiedade, tendo sua cabeça perfurada por espinhos e o costado por uma lança. No lado externo encontram-se vigias mercenários a fim de evitar o roubo daqueles restos mortais. Essa era a grande tensão que os afligia, e sua desconfiança se concentrava em qualquer movimento ou ruído pelas redondezas. Incrédulos, não penetravam nos mistérios daquela segunda noite de trabalho.
A boa distância dali, dormiam os discípulos o sono leve e assustadiço dos apavorados. Sentiam o peso das ameaças, da perseguição e da própria consciência. Tudo parecia perdido e nenhuma fímbria de esperança se fazia sentir no horizonte carregado de maus pressentimentos. O Mestre fizera um número incontável de milagres e chegara até mesmo a ressuscitar mortos, mas como poderia Ele ressuscitar a Si próprio, estando inerte a sua capacidade de ação? Importava sobremaneira que as portas e janelas estivessem bem trancadas, pois a qualquer momento poderiam, também eles, serem alvo de investida dos mesmos agressores...
As almas mais fervorosas, como Maria Madalena e as Santas Mulheres, ansiavam por conferir àquele Corpo todo o calor da devoção que lhes transbordava dos corações. Tinham toda razão, pois, sem nunca terem ouvido uma aula de Teologia, guardavam um culto de latria por aquele defunto e, realmente, apesar de Corpo e Alma estarem separados pela morte, ambos se encontravam unidos a Deus pelos fortíssimos laços da União Hipostática e, portanto, seu cadáver bem merecia ser adorado.
Os objetivos de cada conjunto eram bem distintos. Um só ponto lhes era comum: a ninguém ocorria a idéia de uma auto-ressurreição. Apenas uma entre todos aguardava o grande momento, com fé insuperável: Maria, Mãe de Jesus.
A certa altura da madrugada do terceiro dia, eis que a lápide sofre um grande golpe e salta longe, os guardas desmaiam e, refulgente como um sol, em toda a sua glória, ressurge o Mestre dando início a uma nova era histórica...
* * *
Percorrendo este mundo afora, em especial a própria e tão querida Europa constata-se uma enorme crise de espiritualidade. Deus deixou de ser o centro das preocupações, como fora outrora, e o materialismo substituiu, a passos apressados, a verdadeira religião. Uma dramática situação pois, segundo uma declaração de Bento XVI, na época Cardeal Ratzinger, a Europa “parece ter-se esvaziado em seu interior, paralisada, em certo sentido, pela crise de seu sistema circulatório”. Dizia ainda mais: “Impõe-se uma comparação com o Império Romano em decadência: ele ainda funcionava como um grande arcabouço histórico, mas na realidade vivia já daqueles que deviam dissolvê-lo, pois nele próprio já não restava nenhuma energia vital” (Conferência no Senado italiano, 13/6/2004).
Porém, não será essa a situação dos cinco continentes, com estes ou aqueles conformes? De fato, o mundo caminha para uma terrível ruína, em todos os campos: social, econômico, religioso, ecológico, moral, etc. Serão nossos horizontes, hoje, menos carregados que os dos Apóstolos naquela trágica noite? E nosso sono mais tranqüilo? São menores as ameaças que nos cercam e mais leves nossas consciências?
Eis a necessidade de nos unirmos à Fé de Maria Santíssima nesta terrível hora de apreensão e com Ela crermos numa nova ressurreição: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará”.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

O resto vos será dado por acréscimo

Vaidade das vaidades, diz o Eclesiastes, vaidade das vaidades! Tudo é vaidade. Que proveito tira o homem de todo o trabalho com que se afadiga debaixo do sol? Uma geração passa, outra vem; mas a terra sempre subsiste. O sol se levanta, o sol se põe; apressa-se a voltar a seu lugar; em seguida, se levanta de novo. O vento vai em direção ao sul, vai em direção ao norte, volteia e gira nos mesmos circuitos. Todos os rios se dirigem para o mar, e o mar não transborda. Em direção ao mar, para onde correm os rios, eles continuam a correr. Todas as coisas se afadigam, mais do que se pode dizer. A vista não se farta de ver, o ouvido nunca se sacia de ouvir. O que foi é o que será: o que acontece é o que há de acontecer. Não há nada de novo debaixo do sol (Ecl. 1, 3-9).
Dura é a cerviz do homem quando se trata de admitir essa lei da História, tão claramente enunciada pelo escritor sagrado. Analisada pelo prisma meramente teórico, tal vez ninguém se levante contra a evidência dessas afirmações da Escritura; contudo, na prática, toda a humanidade delas se esquece.
Neste terceiro milênio da Era Cristã, quão vantajoso seria, para nosso presente e futuro, viver o sábio conselho do Eclesiastes: “Vaidade das vaidades...” A experiência de nossos antepassados, com seus sucessos e fracassos, deveria ser suficiente para nos ajudar a encontrar a verdadeira felicidade. Uma expressão francesa, “tudo passa, tudo se quebra, tudo se desgasta, e tudo se substitui”, exprime de modo inteligente e sintético o mesmo vazio das coisas deste mundo, e a frustração de todos aqueles que puseram apenas nelas a sua alegria. É dessa fatuidade que advêm as guerras, inseguranças, rixas, infortúnios, malogros, desânimos e, às vezes, o próprio desespero.
Mas onde procurar a felicidade, pela qual todo homem anseia? Nos exemplos e lições do Divino Mestre, deixados no Evangelho, cujo cerne se lê em São Lucas: “Buscai, pois, o reino de Deus e sua justiça, e todas essas coisas vos serão dadas por acréscimo!”

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

A Igreja é imortal

Os anjos tecem hipóteses e fazem considerações sobre o futuro; os homens, em geral, também anseiam por saber como será o dia de amanhã. Para Deus, entretanto, não existem incógnitas. Nada acontece sem que Ele já soubesse desde toda a eternidade. Toda a História encontra-se diante d’Ele como perpétuo presente.
Por que Deus não nos revela em minúcias esse conhecimento exato do porvir?
Entre outras razões, para nos manter em estado de vigilância: “Quanto àquele dia ou hora, ninguém o sabe, nem os anjos do Céu, nem o Filho, somente o Pai. Estai alerta! Vigiai, porque não sabeis quando será o momento” (Mc 13, 32-33). Se o homem tivesse ciência do dia e hora da própria morte, por exemplo, correria grave risco de relaxar seu comportamento ao longo da existência, deixando para o último instante uma grande conversão... esperança muitas vezes ilusória, pois geralmente se cumpre o velho aforismo: Qualis vita, finis ita — como foi a vida, assim será a morte.
Ademais, o fato de o homem conhecer o futuro poderia ser considerado uma realização da mentira da serpente a Eva no Paraíso: “Sereis como deuses” (Gn 3, 5). Tal prerrogativa faria crescer irresistivelmente a inclinação da humanidade para estabelecer um governo independente do Criador.
Poderá alguém estar certo de não morrer este ano? Qual a previsão para minha família, meus negócios, minha saúde, ou mesmo minhas relações sociais? Haverá alguma nação ou povoque possa estar tranqüilo quanto à sua estabilidade? Ainda mais nesta era pervadida de ameaças e ações do terrorismo internacional — com bombas nucleares espalhadas por todo o orbe, e na qual Deus e a moral vão sendo cada vez mais ofendidos e desafiados —, com base em quais fatores pode-se prever seguramente o rumo do acontecer humano?
Porém, para o homem de Fé, há um farol que não se apaga: A Igreja é imortal. “As portas do inferno não prevalecerão contra Ela” (Mt 16, 18). Alicerçada nessa promessa do Divino Salvador, sejam quais forem os acontecimentos, Ela, não só jamais morrerá, mas produzirá novos e belos frutos até o fim do mundo.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

“Sede prudentes como as serpentes” (Mt 10, 16)

Desejar “ser como Deus” (cf. Gn 3, 5)! Foi este o ato de soberba que feriu logo de início a harmonia da obra da criação.
Os anjos rebeldes e nossos primeiros pais “desejaram de modo desordenado a semelhança com Deus” — explica São Tomás. “Ambos [o demônio e o homem] confiaram em suas próprias forças, desprezando a ordem da lei divina” (Suma Teológica, II – II, 163, 2).
Mas não desejaria a infinita Bondade permitir que todo o gênero humano se perdesse eternamente “pela desobediência de um só” (Rm 5, 19).
Por isso, o Ofendido, o Pai onipotente, santo e eterno, “enviou seu Filho como vítima de expiação” (1 Jo 4, 10) para salvar os homens atingidos pela lepra e maldição do pecado. E — ó mistério de amor! — o Verbo eterno se fez carne e humilhou-se até a morte, para tornar “participantes da natureza divina” (2 Pd 1, 4) os que por orgulho haviam querido “ser como Deus”. “O Filho de Deus se fez homem para nos fazer Deus!” — exclama Santo Atanásio.
“Ser como Deus” após a Redenção, pelos méritos infinitos do sacrifício do Calvário, passou a ser o convite sobrenatural para todo homem. “Ser como Deus” pela graça santificante, recebida por meio dos sacramentos, nos confere uma participação física e formal da própria natureza divina, e assim nos torna capazes de praticar estavelmente os ensinamentos do Divino Mestre. Entre estes se encontra o conselho de ser prudente.
Para muitos esta virtude será sinônimo de timidez e falta de ousadia e, por consequência, quem a praticar só poderá colher fracassos na vida. Em contrapartida, com razão já diziam os antigos romanos: audaces, fortuna iuvat. A fortuna só ajuda aos audazes... Por outro lado, alguns confundirão esta virtude com a dissimulação e falsidade ou, quiçá, considerá-la-ão como um título útil para encobrir o medo ou a covardia.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

A esmola e o belo

Com sabedoria afirma São João: “Se alguém que possua bens deste mundo vir o seu irmão em necessidade e lhe fechar seu coração, como estará nele o Amor de Deus?” (I Jo 3, 17). Não faz o Discípulo Amado senão eco aos ensinamentos do Mestre. Sim, dar esmola é um preceito, e não mero conselho, como encontramos clarissimamente exposto por Jesus, no Evangelho de São Mateus (25, 31-46). Ou seja, vai-se para o fogo eterno pelo fato de se negar o supérfluo a quem realmente necessite. Cada um de nós deve atender às próprias necessidades, assim como às daqueles que estão debaixo de nossa responsabilidade, segundo suas respectivas condições e categoria social. Feito isto, deverá ser retirado das sobras, para dar aos pobres.
Ora, se alguém padece extrema necessidade e não pode ser socorrido de nenhuma outra maneira, o ajudá-lo é um preceito obrigatório para nós. Em diferentes condições, a esmola deixa de ser preceito e tornas-e um conselho.
À primeira vista, pareceria ser a esmola corporal superior à espiritual. Antes de mais nada, porque o corpo tem necessidades mais prementes do que a alma. Por outro lado, ao pobre às vezes agrada mais o receber um auxílio material do que espiritual; e do próprio doador, com maior mérito para ele, parece exigir-se mais virtude na concessão de bens físicos.
Estes são precisamente os erros refutados por São Tomas de Aquino na Suma Teológica: “Agostinho, àquilo do Evangelho — Dá a quem te pede — diz: ‘Deves dar o que não prejudique nem a ti nem a outrem; e quando negares a quem te pede, deves revelar a justiça do teu ato, para não o despedires vazio; e às vezes darás melhor quando corrigires a quem te pede injustamente’. Ora, a correção é esmola espiritual, logo, as esmolas espirituais devem ser preferidas às corpóreas” (II-II, q 32, a 2).
Explica o Doutor Angélico que, absolutamente falando, “as esmolas espirituais têm preeminência por três razões. Primeiro, por ser mais nobre o seu dom, a saber, o espiritual que tem preeminência sobre o corpóreo (...). Segundo, por causa da natureza do ser ao qual socorremos, pois o espírito é mais nobre do que o corpo. Por onde, assim como devemos cuidar mais do nosso espírito do que do nosso corpo, o mesmo devemos fazer para com o próximo, a quem devemos amar como a nós mesmos. Terceiro, quanto aos atos mesmos pelos quais socorremos ao próximo, por serem os atos espirituais mais nobres que os corpóreos, os quais são, de certo modo, servis” (ibidem).
Portanto, oferecer a Verdade ou a Bondade é um preceito que também nos obriga, em face das almas desamparadas e prestes a entrarem na agonia espiritual por ausência do socorro da Palavra e do exemplo. Ora, ensina a Escolástica ser o Belo, o esplendor da Verdade, o esplendor da Bondade. Por isso, levar o Belo aos mais carentes é não só obra de misericórdia superior, mas até mesmo um preceito para todos os que possam fazê-lo.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Saudade e assunção

No Céu, em meio à felicidade suprema, aguardam todas as almas fiéis e amantes de Deus, o grande dia da Ressurreição, a fim de recuperarem seus corpos, dos quais a morte as separou como um dos trágicos efeitos do Pecado Original. O próprio Jesus quis passar por esse transe, a fim de realizar a Redenção através do sofrimento perfeito.
Maria Santíssima, por ser Co-redentora, teria experimentado as dores do falecimento? A esse respeito assim se expressou o nosso saudoso Papa, João Paulo II: “Esse final da vida que para todos os homens é a morte, no caso de Maria, a Tradição mais bem o chama de Dormição” (Homilia de 15/8/1979, em Castelgandolfo).
Morte ou Dormição, a Santíssima Virgem terá passado para a eternidade com santa sofreguidão, em busca de seu Divino Filho, pois ambos haviam vivido na mais perfeita harmonia e relacionamento familiar ao longo de trinta anos, nesta terra. Compreenderemos melhor a força da união estabelecida entre ambos, ao longo daquelas três décadas de vida oculta, quando a Providência nos fizer conhecer os mistérios da pequena — e quão grande! — história do dia-a-dia da Sagrada Família. Um único episódio nos permite fazer uma pálida idéia sobre o universo de amor havido entre Eles, inclusive com São José: a Perda e o Encontro. O entranhamento de mútua compreensão e benquerença era tal, que Maria ficou perplexa diante daquela atitude praticada por um Menino tão afetuoso, reto e submisso.
Sim, Eles três na intimidade se admiravam mutuamente, transcendendo os aspectos comuns e correntes da existência de todos os dias, à espera da plenitude perpétua da caridade. Nazaré, nas vinte e quatro horas, comportava o sono, trabalho e demais ocupações que conduziam a uma forçosa e ao mesmo tempo dolorosa separação. Acrescentemos os quinze anos de exílio nos quais viveu Nossa Senhora nesta terra, depois de ter visto seu Filho desaparecer entre as nuvens da Ascensão.
Foi a saudade desse convívio e o ardor de o reaver na totalidade de sua intensidade e perfeição, que levou Maria a subir ao Céu de corpo e alma.
“Com a Assunção da Virgem Maria começou a glorificação de toda a Igreja de Cristo, que terá seu cumprimento no dia final da História” (João Paulo II, Ângelus 21/8/1983), no qual todos os justos, de corpoe alma, viverão com a Sagrada Família no Céu.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Os planos de Deus

As leis do espírito são muitas vezes contrárias às da matéria. Assim, à medida que o homem come, seu apetite diminui; após uma boa refeição, ele se sente satisfeito. Na ordem sobrenatural, acontece exatamente o oposto: quanto mais a alma se alimenta dos bens espirituais, mais aumenta sua apetência, a qual só será saciada quando atingir o infinito, ou seja, o próprio Deus, para O qual foi criada.
No que diz respeito à propriedade ou ao uso de qualquer bem terreno, pode-se observar um caso semelhante. Quanto mais bens possuir um indivíduo, um grupo ou uma nação, menos restará para os demais. E o alimento consumido por um, a ninguém mais aproveita. No mundo do espírito, entretanto, dá-se o inverso: pela comunhão dos santos, quanto mais uma alma acumula graças, maior é a participação e o benefício de todas as outras.
Também no campo das funções e das hierarquias nesta vida, os julgamentos humanos e os divinos podem não ser os mesmos. Por exemplo, um simples irmão leigo, iletrado, faxineiro do convento, comparado a um monge do mesmo mosteiro, teólogo eminente. Nesta terra, este último gozará de merecida reputação, por sua vasta cultura, enquanto o irmão leigo será, talvez, tratado de uma forma comum. Passando para a vida eterna, porém, pode muito bem acontecer de o teólogo, com surpresa, ver no Céu o irmão faxineiro ocupando um trono muito superior ao seu...
Algo de análogo pode ocorrer com os povos e as nações nesta terra, pois não são destinados a permanecerem, enquanto tais, após o Juízo Final.
Não é raro, na História, depararmo-nos com um povo relegado a uma posição apagada na ordem internacional que, movido por fatores diversos, cresce, expande-se e, numa curva inesperada dos acontecimentos, eleva- se ao pódio da glória, deixando pasmos incontáveis historiadores incapazes de compreender tal sucesso. Assim, por exemplo, era impensável que dos bárbaros invasores do Império Romano surgisse a Europa.

terça-feira, 26 de julho de 2011

A excelência do sacerdócio

Ficarei convosco todos os dias, até o fim do mundo” (Mt 28, 20). Que extraordinária promessa nos fez o Senhor, pouco antes de subir ao Céu! Falava Ele com os Apóstolos e, embora tais palavras fossem dirigidas a todo o gênero humano, continham uma mensagem especial para eles.
Com efeito, Cristo nosso Senhor se faria presente entre nós de vários modos, mas particularmente na voz infalível do Papa, na distribuição dos Sacramentos e, em especial, na sua real presença na Sagrada Eucaristia. Ora, todas essas maneiras de presença estão vinculadas ao sacerdócio e são dele dependentes. Era natural, pois, que Jesus, ao instituir a Santa Igreja, a entregasse à direção de homens que deviam ser seus representantes e sucessores: “Sacerdos alter Christus”.
Seja no confessionário, no altar ou no púlpito, o sacerdote é outro Cristo, e está continuando a própria missão do Homem-Deus nesta terra, quer dizer, a de ensinar a verdade, a de santificar e a de conduzir os homens no caminho da salvação.
Quão enorme é o poder de perdoar os pecados! Maior até do que o de curar os paralíticos, conforme afirmou o próprio Jesus (Mt 9, 2-7). Esse poder, Ele o conferiu aos Apóstolos para que o perpetuassem na sua Igreja, ao soprar sobre eles e dizer: “Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos” (Jo 20, 22-23).
E o que dizer do poder de celebrar a Eucaristia, consagrando o pão e o vinho? Sobre a grandeza da Celebração Eucarística, os Doutores, os Padres da Igreja e os Papas nos deixaram belas e profundas reflexões, como esta, de João Paulo II: “Diante desta extraordinária realidade ficamos atônitos e abismados: como é grande a humildade condescendente com que Deus Se quis ligar ao homem! Se nos detemos comovidos diante do Presépio contemplando a Encarnação do Verbo, como exprimir o que se sente diante do altar onde, através das pobres mãos do sacerdote, Cristo torna presente no tempo o seu Sacrifício? Só nos resta ajoelhar e em silêncio adorar este mistério supremo da fé” (Carta aos Sacerdotes, Quinta-Feira Santa de 2004).
Entende-se melhor por que São Francisco de Assis osculava o lugar por onde havia passado um sacerdote e jamais aceitou ser ordenado presbítero, julgando-se indigno (por causa de sua extrema humildade, é claro) de ser elevado a esse extraordinário estado.
Não é, portanto, sem fundamento que, nas relações humanas, haja uma exigência quanto à transparência dos variados aspectos da divina figura de Jesus nos seus sacerdotes, como afirmava São Paulo: “É preciso que os homens vejam em nós ministros de Cristo e dispensadores dos mistérios de Deus” (1 Cor 4, 1).
Sobretudo no mais recôndito de sua alma, o padre é um outro Cristo, por ter recebido uma especial consagração, participativa daquela verificada na natureza humana de Nosso Senhor por sua união hipostática com o Verbo. Um só é o sacerdócio: o de Jesus Cristo, participado e continuado ao longo da História por seus sacerdotes.

sábado, 16 de julho de 2011

QUAL O TIPO DE SANTIDADE IDEAL PARA O HOMEM DE HOJE?

Ensina-nos São Tomás que, sendo Deus infinito, não poderia refletir-se numa só criatura, mas sim numa multiplicidade delas,e por isso criou Ele o Universo.
É através das coisas visíveis que o homem se eleva até as invisíveis. Por exemplo, contemplando uma simples concha de mar, podemos compreender o quanto Deus é, por assim dizer, afetuoso para conosco, pois, se para um molusco oferece Ele um tal “palácio” de madrepérola, qual não será a maravilha preparada para cada um de nós na mansão celeste?
São Paulo afirma com clareza essa verdade, em sua carta aos Romanos: “Desde a criação do mundo, as perfeições invisíveis de Deus, o seu sempiterno poder e divindade, se tornaram visíveis à inteligência, por suas obras”(1, 20).
Ora, essa realidade é ainda mais rica na ordem sobrenatural. Os seres que nos fazem conceber uma idéia mais próxima de quem é Deus, são os Santos. E o grande número destes demonstra o quanto quer Ele ser conhecido através de seus eleitos. Esta é também a razão da existência da rica variedade de feitios de santidade; para o homem há modelos em profusão, constituindo todos, no seu conjunto, um verdadeiro universo.
Em cada fase da História, a Divina Providência suscita uma plêiade de Santos, não só para se tornar mais acessível à humanidade, como também com a finalidade de contrapor-se aos erros e desvios morais de sua época.
Nesta perspectiva, melhor se entendem os Santos das Ordens mendicantes nascidas na Idade Média, como um São Francisco de Assis ou um São Domingos de Gusmão. Apresentando um tipo humano bem definido, surgiram eles, em meio aos esplendores de uma sociedade que intuía não estar longe de conquistar o mundo, para pregar o quanto os bens materiais são simples meios para realizarmos nossa vocação de cristãos e jamais o nosso fim último.
Com efeito, percorrendo os séculos do Cristianismo — e até mesmo os do Antigo Testamento — encontraremos um belíssimo caleidoscópio de feitios de santidade, cada um convidando ao equilíbrio e à perfeição nas relações dos homens entre si e com Deus, próprios a refrear e corrigir os perigos e inclinações de seu tempo.
Hoje atravessamos dramas, riscos e ameaças antes sequer concebidos, e, ao mesmo tempo, desfrutamos de um desenvolvimento tecnológico inimaginável em épocas anteriores. O homem dispõe atualmente de recursos que teriam enlouquecido de euforia os construtores da famosa Torre de Babel. Mas, pari passu, vai ele perdendo a noção do Belo, do Bom e do Verdadeiro.
E surge, então, uma pergunta: qual é o tipo de santidade ideal para os dias presentes?
Para respondê-la, analisemos os anseios e sonhos da hodierna e sadia juventude, a sociedade de amanhã. Assim poderemos conhecer o que nos prepara Deus, como resposta da santidade e como via de perfeição, para contrabalançar os delírios e carências morais deste terceiro milênio.

terça-feira, 12 de julho de 2011

O REPOUSO OPERANTE

Deus criou o universo em seis dias e descansou no sétimo. A cada etapa, Ele contemplava a obra realizada e via que era boa. Após ter analisado o conjunto, Ele o classificou como ótimo, e “descansou do seu trabalho” (Gn 2, 2). “O fim coroa a obra”, diz um antigo ditado latino. E “todo movimento tende ao repouso”,afirma, por sua vez, São Tomás de Aquino.
A própria natureza nos ensina essa lei. Após as tempestades, os mares se acalmam, a atmosfera se torna serena e o ar se purifica; nessas ocasiões, é extremamente agradável elevar os olhos ao Céu e contemplar a Deus, sua infinita bondade e misericórdia.
As quatro estações também nos dizem algo nessa linha, pois aos rigores do inverno se sucedem as cores, os perfumes e os frescores da primavera, os calores do verão são temperados pelo lento e crescente refrigério do outono. Assim também o organismo humano, em seu equilíbrio normal, exige um certo número de horas de sono cada noite. E talvez seja esta uma das razões pelas quais quis Deus fazer a Terra girar em torno de seu próprio eixo ao longo das vinte e quatro horas do dia.
Sim, Deus instituiu a lei do repouso na ordem dos seres criados; e procura habituar os homens, durante o estado de prova nesta existência terrena, ao recolhimento com vistas à vida eterna.
À primeira análise, o descanso poderia parecer uma imagem da inação estagnada, infrutífera e deteriorante. Porém, é nele que o homem reencontra o melhor de suas energias e de sua operosidade eficiente.
Jesus mesmo chegou a dormir na barca de Pedro, em meio à tempestade, e censurou os Apóstolos por não terem suficiente fé quando estes O acordaram (Mt 8, 23-26). Aos próprios discípulos, aconselhava Nosso Senhor o repouso depois das grandes atividades. “Tendo os Apóstolos voltado a Jesus, (...) Ele disse-lhes: Vinde à parte, a um lugar solitário, e descansai um pouco” (Mc 6, 30-31).

terça-feira, 5 de julho de 2011

A Teocracia ao longo da história

Na Antiguidade, muitos povos atribuíam qualidades divinas a seus governantes, talvez por uma noção imprecisa de que a autoridade vem do Alto (cfr. Jo 19, 11). Os romanos, por exemplo, adoravam os imperadores, o que não os impedia de assassiná-los quando se cansavam de suas crueldades... Mas, na realidade, a História só conheceu um povo que foi governado diretamente por Deus: Israel. Era uma teocracia na sua forma mais pura. Nenhuma outra nação teve semelhante privilégio, nem houve sistema de governo mais perfeito do que esse: o Decálogo permanece pelos séculos afora como exemplo da simplicidade, eficácia e beleza da legislação divina.
Apesar dessa superioridade, o povo exigiu de Deus que lhe desse um monarca, à semelhança das outras nações. Deus atendeu seu pedido e entregou o cetro a Saul, pondo fim à teocracia em Israel.
Com a fundação da Igreja, povo eleito do Novo Testamento, o Filho de Deus escolheu Pedro e seus sucessores para governá-la. Prometeu enviar o Espírito Consolador, deu-lhes o dom de infalibilidade e o poder das chaves (cf. Mt 16, 19). Assim, o sucessor de Pedro permanece como perpétuo e visível princípio e fundamento da unidade da Igreja, com poder pleno, supremo e universal.
Do tempo em que São Pedro regia a Igreja nascente, sentado em sua singela cátedra, até nossos dias, a complexidade do governo cresceu quase ao infinito. Inspirados pelo Espírito Santo, os Papas souberam adaptar-se às novas circunstâncias, criando ao longo dos séculos os vários organismos da Cúria Romana para os auxiliarem no pastoreio do povo de Deus.
Algumas das atuais congregações romanas devem sua remota origem à construção da atual Basílica de São Pedro, que recentemente comemorou seus 500 anos de existência. Visando levar adiante tão monumental empreendimento, os Papas instituíram a Fábrica de São Pedro, comissão composta por cardeais que se reuniam regularmente para resolver os problemas atinentes à construção. E ficou o costume de se congregarem os cardeais para deliberar sobre os assuntos a eles confiados pelo Papa.
Um dos mais antigos dicastérios da Cúria Romana é a Secretaria de Estado, que remonta aos finais do séc. XV, quando foi instituída a Secretaria Apostólica, destinada a coadjuvar de perto o Sumo Pontífice. Com a descoberta do Novo Mundo, nasceu a necessidade de impulsionar as missões, tendo sido criada a Congregação de Propaganda Fide, hoje Congregação para a Evangelização dos Povos. Após o Concílio de Trento, a fim de interpretar e aplicar as reformas conciliares, foi criada a Sacra Congregatio Cardinalium Concilii Tridentini interpretum, à qual S.S. Paulo VI, em 1967, deu a denominação de Congregação para o Clero.
Deveu-se ao Papa Sisto V, em 1587, a iniciativa da organização da Cúria tal como a conhecemos hoje, dividida em Congregações Romanas, com o que a eficácia da ação pastoral dos Papas se viu muito beneficiada.
Porém, por mais engenhosos que sejam os métodos de organização do governo da Igreja, nunca devemos esquecer, como nos ensina admiravelmente o Concílio Vaticano II, que o Espírito Santo é quem dota, dirige e embeleza a Igreja, mediante os diversos dons hierárquicos e carismáticos (LG n. 4).

sábado, 25 de junho de 2011

NA EUCARISTIA ENCONTRAREMOS A FORÇA

Os tempos atuais, atravessados por dramas, incertezas, angústias e sobretudo por ofensas a Deus, bem mereceram o alerta de S. S. João Paulo II: “A civilização da morte quer destruir a pureza do coração.” (Homilia de 12/6/1999, vide p. 18). Com inteira propriedade o saudoso Papa usa o terrível título de “civilização da morte” para designar a humanidade de hoje, além de afirmar que: “Um dos seus métodos de agir é pôr intencionalmente em dúvida o valor da atitude do homem, que definimos como virtude da castidade”
Essa é uma das razões pelas quais o homem de hoje busca a paz e não a encontra, pois condição essencial para isso é ser puro de corpo e de coração. É tendo em vista a obtenção dessa paz de alma que João Paulo II se empenhava em encorajar os fiéis: “Não tenhais medo de viver contra as opiniões da moda e as propostas em contraste com a lei de Deus”.
O Santo Padre exortava ao esforço, mas sabe quão árduo é andar nos caminhos do Senhor. Por isto aconselhava: “Para vencer esta luta, o homem deve dirigir-se a Cristo. Só será capaz de vencer se estiver corroborado pela sua força, pela força da sua Cruz e da sua ressurreição. ‘Ó Deus, cria em mim um coração puro’ (Sl 50[51],12), exclama o Salmista, consciente da debilidade humana, porque sabe que para ser justo perante Deus, só o esforço humano não é suficiente”.
“Deus qui ponit pondus, supponit manum”, diz um provérbio. “Deus ampara com a mão aquele sobre quem coloca um peso”. Entre os inúmeros auxílios sobrenaturais que a Providência concede aos homens, um há que não poderia ser maior. O Senhor vem, Ele mesmo, ao encontro do fiel para revigorá-lo, e lhe oferece o “Pão dos fortes”, a “fonte de vida”, a Sagrada Eucaristia, o Corpo, Sangue, Alma e Divindade do próprio Homem-Deus.
E para realçar ainda mais a grandeza do dom feito assim à humanidade, quis Ele que fosse instituída a festa de Corpus Christi. Essa celebração, já com mais de sete séculos de história, tem por objetivo incentivar a devoção eucarística.
Que nunca deixemos de recorrer a esse alimento divino que tonifica e forma heróis da fé, quaisquer que sejam as circunstâncias.

sábado, 21 de maio de 2011

A importância da família

Como são amáveis as vossas moradas, Senhor!” (Sl 83, 2).
Entre as múltiplas crises pelas quais atravessa o mundo de hoje, uma das mais graves e de conseqüências mais profundas é a da família. É tão desoladora sua situação que não poucos a imaginam à beira da completa extinção. Ora, esse desfecho é impossível, pois ela é uma instituição divina, como mostra uma das bênçãos do Ritual do Matrimônio: “Ó Deus, Vós unis a mulher ao marido e dais a essa união, estabelecida desde o início, a única bênção que não foi abolida, nem pelo castigo do pecado original, nem pela condenação do dilúvio”. Sobretudo, foi elevada à condição de sacramento pelo Homem-Deus.
Não se pode negar que a santidade e a própria estabilidade da família encontram-se gravemente ameaçadas; e os Papas não cessam de alertar sobre este grande mal: a desagregação familiar. Economizemos tempo e espaço, deixando de lado outros aspectos do problema, e concentremos nossa atenção nas suas causas.
Essas, aliás, podem se reduzir a uma só: o fato de se querer expulsar Cristo da sociedade. As outras causas são apenas uma inevitável decorrência desta. Laicismo, materialismo, consumismo, divórcio, uniões ilegítimas, etc., são filhas e netas do retorno à terra daquele brado deicida de outrora: “Crucifica-O, crucifica-O!”
Se as famílias resolverem retomar o princípio de seu caráter sacral e, portanto, cristão, a face da terra será renovada, pois o lar deve ser, antes de tudo, um Tabernáculo do Senhor. Essa concepção religiosa nasce da própria essência e natureza do casamento. Nem sequer os pagãos fugiram dessa visualização, tanto que cultuavam dois deuses protetores do lar e lhes ofereciam sacrifícios.
Para os cristãos, a habitação familiar é um templo onde se encontram oração, pregação e sacrifício. A bênção dos alimentos, a ação de graças, a recitação coletiva do rosário e outras práticas de piedade, a Páscoa e o Natal em comum, etc., constituem a oração na Igreja doméstica.
São João Crisóstomo recomendava vivamente aos pais de família, em Constantinopla e Antioquia, a converterem suas casas em verdadeiros templos. Deviam repetir ali o que haviam aprendido na Igreja. Santo Agostinho ainda ia mais longe, atribuindo-lhes funções episcopais, enquanto responsáveis por transmitir a verdadeira doutrina dentro de casa.
Porém, a mais eficaz pregação é feita através do exemplo. Se o ambiente doméstico é um templo do Senhor, além de oração e pregação, ele exige sacrifício; deve-se nele oferecer uma vítima: “Rogo-vos, pois, irmãos, pela misericórdia de Deus, que ofereçais os vossos corpos como uma hóstia viva, santa, agradável a Deus” (Rm 12, 1).
Não se pode construir uma nova era com famílias desagregadas. Somente com lares bem constituídos e piedosos teremos uma sociedade robusta e sadia. Nenhuma outra época precisou tanto de famílias que dêem à sociedade bons cidadãos, autênticas pilastras e muralhas para a salvação e segurança do bom relacionamento humano. Esse nobre e indispensável objetivo só será alcançado pela restauração dessa célula-mater da civilização, segundo o espírito, a moral e a doutrina da Santa Igreja.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Para obter que Nosso Senhor nos abra a porta, basta ser importuno. Isso está dito textualmente e comentado por um Doutor da Igreja do porte de Santo Afonso de Ligório.
Devemos considerar, de uma vez por todas que, na oração, não são nossas misérias que entram em linha de conta.
A oração não é um cheque bancário contra Deus
A oração tampouco é um cheque que eu saco do fundo dos meus créditos e compro de Deus um favor. É preciso desfazer tal idéia, pois é um obstáculo para o desenvolvimento da nossa vida espiritual.
Oração é algo diferente. Ainda que eu não tenha nenhuma razão para ser atendido, sê-lo-ei pela minha importunidade. A importunidade do pecador abre as portas do Céu e obtém, afinal, tudo quanto possa desejar. É frisante, nesse sentido, a palavra de Nosso Senhor.
S. João Crisóstomo, grande Doutor da Igreja, comenta no mesmo sentido:
A oração vale mais junto de Deus do que a amizade.
É uma afirmação que eu não teria coragem de fazer: estabelecer uma distinção entre a oração e a amizade com Deus, para concluir que a primeira vale mais que a segunda. Ora, isso foi dito por São João Crisóstomo, que Santo Afonso por sua vez cita. A oração vale mais diante de Deus do que a amizade. Entre uma pessoa em estado de graça, mas que não reza, e outra que reza mas não está em estado de graça, quem reza alcança mais favor diante de Deus.
Outro argumento interessante, invocado por Santo Afonso para justificar a tese de ser a oração do pecador eficaz e grata diante de Deus, é a passagem evangélica em que Nosso Senhor elogia a oração do publicano: “Assim é que se deve rezar!” Qual é o título que o publicano apresenta diante de Deus para ser atendido? Não é o “cheque” que os fariseus apresentam: “Agora tu, Deus, que me pões uma barreira, tu tens que me dar um prêmio, porque eu fiz algo. Aqui está o que eu fiz!”
Na sua oração, pelo contrário, o publicano invoca o título de pecador:
“Deus, sede-me propício, a mim que sou pecador”.
Ora, tendo alegado esse título de pecador, o Evangelho acrescenta: ... este (o publicano) voltou justificado para a sua casa (Lc 18,14).
Quando nós alegamos o título de pecador, somos atendidos.
É engano achar que devemos estar num alto grau de virtude para que nossas orações sejam atendidas por Nosso Senhor. É preciso abandonar essa idéia heterodoxa, se quisermos ter verdadeiro espírito católico.
 Outra frase, também muito interessante, é tirada de uma oração do Profeta Daniel:
Inclinai, meu Deus, o vosso ouvido, e ouvi-me (...) porque nós, prostando-nos por terra diante da vossa face, não fazemos essas deprecações fundadas em alguns merecimentos de nossa justiça, mas sim, na multidão das vossas misericórdias (Dan 9, 18).
Essas palavras, ditas pelo Profeta, não constituem figura de retórica, como quem dissesse: “Vê tudo isto! eu ainda vou pôr mais um enfeite, vou dizer que não tenho nada. Mas, é para mostrar que eu sou humilde e, portanto, não digas que há contrabando na minha mercadoria. Dá-me agora aquilo que tu me prometeste!”
Não se trata disso. A humildade está presente na verdade, e na oração não pode haver mentiras. O Profeta Daniel, realmente, se dirige a Deus em nome do povo judeu, carregado de pecados e prostrado por terra.
Esse povo judeu, prostrado pelo pecado, na condição de pecador, faz uma oração. Ele alega essa condição ao se apresentar ante Deus e é atendido.
É uma oração tirada da Bíblia, inspirada pelo Espírito Santo. Assim, compreendemos quanta confiança também nós devemos ter.
O pior do pecado é o desespero
Há outro trecho, dessa vez tirado de São Mateus: Vinde a mim todos que andais em trabalho e vos achais carregados que eu vos aliviarei (Mt 11, 28).
Segundo São Jerônimo, Santo Agostinho e outros, qual é essa categoria de gente que está em trabalhos?
São os pecadores que têm algum pesar de ter cometido pecado. Esse é o sentido da palavra trabalho, neste contexto. É para esses pecadores que Nosso Senhor disse: “Vinde a mim que Eu vos aliviarei”.
Quanta cordura e quanto amor ao pecador! Quanto desejo de atraí-lo! Que absurdo, que aberração comete o pecador se ele se desespera! O pior do pecado dele não é a falta, é o desespero. Enquanto ele conservar a confiança ele pode voltar, e há torrentes de razão para confiar.
Outra citação, também muito interessante:
Não desejas — diz São João Crisóstomo dirigindo-se ao pecador — tanto a remissão de teus pecados quanto Deus deseja perdoar-te”.
São João Crisóstomo, ao ver um pecador querendo sair do seu pecado lhe diz: “Deus deseja mais que tu te convertas, do que tu mesmo o desejas”.
Compreende-se, portanto, quanta confiança deve ter um pecador quando ele pede sua conversão a Deus. Ele pede uma graça que o próprio Deus deseja mais do que ele. Como não ter toda a confiança?
Importunidade, o principal requisito da oração
Ainda São João Crisóstomo, ao comentar São Mateus, diz:
“Não há o que não obtenhas pela oração, ainda que estejas carregado de mil pecados, contanto que a oração seja instante e contínua” (Hom. 23 in Matth).
Note-se bem que São João Crisóstomo é um dos grandes Doutores da Igreja.
Sua frase condensa o que acima afirmávamos. “Não há o que não obtenhas pela oração”, diz ele. Ou seja, ele inclui tudo. “Ainda que estejas carregado de mil pecados...”, não de um só pecado.
Para se obter o que se pede, a condição será ter firme propósito ou qualquer outra coisa? Não, não é. “Contanto que a oração seja instante e contínua”, não é necessário mais nada.
É preciso ser importuno. A oração obtém tudo na medida em que é insistente, caso contrário não é boa oração. Mais claro não podia ser. Ou as palavras humanas não têm sentido, ou o sentido é esse.