quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Cristo, Centro da História




A luz que emanou da Gruta de Belém, na noite de Natal, não ficou circunscrita àquele exíguo espaço. Ela se projetou na História, pelos séculos afora, e crescerá em esplendor até o fim dos tempos, quando Cristo se manifestará em toda a sua glória. 

Mas a luz produz sombras que ressaltam a beleza de seu brilho. Também o Natal tem sombras... A atitude de Herodes é uma delas. Ao ouvir a pergunta dos reis Magos — “Onde está o rei dos judeus?” —, ele se perturbou e toda a Jerusalém com ele, diz o Evangelho. “E reunindo todos os príncipes dos sacerdotes e escribas do povo, perguntou-lhes onde devia nascer o Messias” (Mt 2, 4). 

Quando Jesus Menino deu os primeiros vagidos, suavemente embalado nos braços virginais de Maria, já os acontecimentos se desenrolavam em função d’Ele. O eixo da História se deslocava dos palácios dos grandes desta terra para aquela humilde Gruta. 

Os Céus se abriram e desceram legiões de anjos, cantando para festejar o nascimento do Messias. Do Oriente vieram poderosos reis com seus grandes séquitos para O adorar. Simeão e Ana se alegraram ao ver Jesus Menino e profetizaram a seu respeito. Herodes procurou matá-Lo... Diante de Jesus, ninguém ficou indiferente. Mudou o eixo da História, e esta passou a girar em torno daquele Menino, nascido da Virgem Maria. Tal realidade iria tornar-se cada vez mais notória à medida que se expandisse a Igreja. 

Qual homem, por mais célebre que tenha sido, ocupa na História papel tão central? 

Ao longo dos séculos, os acontecimentos se sucederam, ruíram povos, impérios e nações. Outros surgiram no seu lugar. Até o fim do mundo, quantas civilizações desaparecerão ainda? 

Em nossos dias, Jesus já é conhecido em toda a terra. Podem os homens aceitá-Lo, rejeitá-Lo ou mesmo persegui-Lo; não, porém, permanecer indiferentes diante d’Ele. As perseguições são, elas mesmas, testemunho de sua incomensurável grandeza. 

                                                                       * * * 

A própria seqüência do ciclo litúrgico — que rememora ao longo do ano toda a vida de Nosso Senhor Jesus Cristo, até sua Ascensão aos Céus — é uma forma de continuamente ressaltar, nas celebrações eucarísticas de todas as igrejas da terra, essa posição única de nosso Redentor no centro dos acontecimentos humanos. 

E a cada novo ano, ao se comemorar o Natal, não há quem não pare um instante e não sinta o apelo suave e consolador do Deus-Menino, infundindo Paz e convidando a segui-Lo. Esse convite será aceito ou recusado. Mas Cristo não deixou de constituir o centro da existência de cada um de nós. E assim será de forma crescente, até o fim dos tempos, quando Jesus se manifestar gloriosamente a toda a humanidade, tornando-se de forma irrecusável e visível o centro, não mais da simples História, mas de toda a eternidade.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Deus mais próximo dos homens


No supremo mirante da História — a eternidade —, muitas verdades desconhecidas na Terra serão entendidas, com maravilhamento, pelos Bem - aventurados, os quais não se cansarão de entoar loas por elas à Santíssima Trindade. Entretanto, várias outras continuarão ocultas, por serem de exclusivo domínio divino.
Dentre estas, talvez esteja algo que transcende nossa capacidade de compreensão: o gratuito e incomensurável amor de Deus pelas criaturas, sobretudo por aquelas que mais foram amadas e aquinhoadas, os Anjos e os homens. Quanto a estes, criados com alma racional, em estado de santidade e justiça, à imagem e semelhança divina, destinavam-se à mais elevada intimidade com Deus, participando inclusive da vida divina (CIC, n. 375). Mais não poderia o Criador fazer pela humanidade, pensaríamos nós. Entretanto, Ele, por assim dizer, superou-Se a Si mesmo.
Uma parcela dos Anjos revoltou-se e “não houve mais lugar para eles no Céu” (Ap 12, 8). E o primeiro homem, desejando ser como Deus, transgrediu a única proibição que lhe fora imposta. Em consequência, perdeu o estado de graça e foi expulso do Paraíso. Doravante, as portas do Céu lhe estavam fechadas. Privado do dom de integridade, estava sujeito a padecer dores, fome e morte. Sobretudo, não gozava mais daquela intimidade com Deus, o qual vinha às tardes passear com ele no Éden... Fracassava, assim, o projeto de amor do Altíssimo para a humanidade, de fazê-la partícipe de Sua vida e natureza.
Qual a resposta divina a essa imensa ingratidão?
Uma superação de amor. A Segunda Pessoa da Santíssima Trindade Se faz homem, para resgatar o pecado de Adão e Eva. Nasce de uma Virgem, criatura perfeita que, por sua insuperável correspondência à graça, compensa o orgulho de Eva. E escolhe como pai adotivo um santo varão, José. Na Sagrada Família realiza-se o plano primeiro de amor de Deus, numa inimaginável intimidade entre Criador e criaturas.
De fato, dentro das quatro paredes da pequena casa de Nazaré, vivia-se numa atmosfera mais elevada que a do Éden, pois lá estavam presentes Deus feito homem e Maria Santíssima, o Paraíso do Novo Adão (cf. São Luís Maria Grignion de Montfort, Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, n. 18). Aí viveu Nosso Senhor trinta anos em sublime convívio com Nossa Senhora e São José, santificandoos. E com isso deu mais glória a Deus do que se tivesse, nesse período, percorrido a terra inteira, operando os maiores milagres (Idem, ibidem).
Sua dolorosa Paixão e Morte na Cruz constitui o ápice de Sua dedicação aos homens. Inacessível mistério de amor!
Tendo subido de volta ao Pai, deixou-nos a Santa Igreja Católica Apostólica Romana para, através dos Sacramentos, prolongar o convívio que teve com os homens na Terra, fazendo chegar a toda a humanidade os frutos do Seu Sangue redentor. Nesse sentido, cada graça concedida por Deus ao longo da história das almas visa, no fundo, incrementar ou reatar esse relacionamento, essa união, essa intimidade do Criador com a criatura.
E, como não poderia deixar de ser, Deus sempre vence. Vence na pessoa de cada justo que, ao cruzar os umbrais da eternidade, contemplando-O face a face, se une definitivamente a Ele, num divino amplexo, realizando o plano primeiro da criação.

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Ave Crux!


Nem a imaginação humana, em sua máxima perfeição, nem a angélica, seriam capazes de conceber um meio mais conveniente que a morte de Cristo, pela Cruz, para redimirnos e reparar nossos pecados. Nenhum gênero de pena capital haveria mais execrável que este. Nada há, na ordem do criado, que mais possa nos servir de estímulo à coragem. Pelo fruto da árvore proibida, tornou-se o homem escravo do pecado; deveria, também pelo madeiro, ser-lhe a graça restituída. Por ter sido Cristo elevado na cruz para morrer, purificou o ar como já o fizera com a água, pelo Batismo, e o realizaria com a terra ao ser sepultado (cf. São Tomás, Suma Teológica III, q. 46, a. 4).

Quanta riqueza há, para cumprirmos os desígnios de Deus a nosso respeito, nas considerações sobrenaturais a propósito da Cruz de Cristo! Já na via do Calvário, sustentando-a aos ombros, ao encontrar-se com as mulheres que choravam, Ele lhes disse: “Se tratam assim a madeira verde, o que acontecerá à seca?” (Lc 23, 31). Sim, se Ele — que é Deus, mestre, modelo e mediador supremo — abraçou a Cruz e a pôs às costas, por que nós, pecadores, haveremos de recusá-la? De um ponto de vista meramente especulativo, estamos todos convencidos dessas realidades. Falta-nos passar da teoria à prática, quer dizer, aos casos concretos de nossa vida.

“Se alguém quiser vir após Mim (...) tome a sua cruz e siga-Me” (Mt 16, 24). Ele poderia ter feito um milagre, e até mesmo chamar os Anjos, de forma visível ou invisível, para ajudá-Lo; entretanto, preferiu o auxílio de um Cireneu, um ser humano como nós. Esse feliz Simão mostrou-se um digno seguidor de Jesus, correspondendo àquela palavra do Salvador: “Quem não toma sua cruz e Me segue, não pode ser meu discípulo” (Lc 14, 27).

O desejo de cumprir a vontade do Pai está manifesto na via do Calvário — “porque Eu sempre faço o que é do seu agrado” (Jo 8, 29) —, não só porque ali encontramos o Filho de Deus, mas também por vermos nossa humanidade representada pelo Cireneu. Foi ele o primeiro a abraçar a cruz com Cristo, abrindo o caminho para nós.

Entretanto, quão difícil é imitar o Cireneu! “Jesus Cristo tem agora muitos que amam o seu reino celestial, mas poucos que levam a sua cruz”, diz a célebre “Imitação de Cristo”. E continua: “Muitos desejam sua consolação e muito poucos desejam a tribulação. (...) Aqueles, porém, que amam Jesus por amor de Jesus e não por amor de sua própria consolação, tanto O louvam em toda tribulação e angústia de coração, como nas mais doces consolações. E ainda que nunca mais Ele lhes quisesse dar consolação, sempre O louvariam e Lhe dariam graças. (...) Não amam a si mais do que a Cristo aqueles que continuamente pensam em seus proveitos e comodidades?” (Livro II, cap. 11).

Houve alguém que melhor soube carregar a cruz, ultrapassando de modo inimaginável o fervor e devoção do Cirineu. Não hesitou sequer em depararse com seu filho na “Via Crucis” e não O abandonou no Calvário. Foi Maria Santíssima, nossa Co-Redentora. Muito mais que o Cirineu para Jesus é Ela para nós: está sempre a nosso lado ajudando-nos a carregar as nossas cruzes.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

O exemplo do Santo Cura d’Ars

Igreja tem necessidade de sacerdotes santos”, afirmou Bento XVI na homilia de abertura do Ano Sacerdotal. Pois o ministério ordenado, indispensável para a Igreja e para o mundo, requer plena fidelidade a Cristo e união incessante com Ele.
O presbítero deve tender constantemente para a santidade, como o fez São João Maria Vianney. A renovação interior de um sacerdote implica em um testemunho evangélico mais vigoroso e incisivo, e do seu impulso para a perfeição espiritual dependerá, primordialmente, a eficácia do próprio ministério.
O cerne do ministério sacerdotal — lembrava oportunamente o Beato João XXIII — se desenvolve em torno da Celebração Eucarística.“Que é, pois, o apostolado do padre, considerado na sua ação essencial, se não congregar, onde quer que viva a Igreja, em volta do altar o povo?”, perguntava-se o Papa do Concílio (Encíclica Sacerdotii nostri primordia, n. 34).
Com efeito, é no altar que “o padre, pelos poderes que só ele recebeu, oferece o Divino Sacrifício”. É também ali “que o povo de Deus, iluminado pela pregação da fé e alimentado com o Corpo de Cristo, encontra a sua vida, o seu crescimento [...]. É ali, numa palavra, que, de geração em geração, em toda a parte, cresce espiritualmente o Corpo místico de Cristo, que é a Igreja” (Idem).
Essa centralidade do Santo Sacrifício na vida das paróquias e comunidades levou o famoso teólogo dominicano Fr. Antonio Royo Marín a proclamar que celebrá-lo “é a função sacerdotal por excelência, a primeira e mais sublime de todas, a mais essencial e indispensável para toda a Igreja, e ao mesmo tempo fonte e manancial mais puro de sua própria santidade sacerdotal. É-se sacerdote, antes de tudo e sobretudo, para glorificar a Deus mediante o oferecimento do Santo Sacrifício da Missa” (Teología de la Perfección Cristiana. 11. ed. Madrid: BAC, 2006, p. 848).
O sacerdote vive, pois, para o altar. É nele que oferece o Santo Sacrifício, é em torno dele que reúne e abençoa seu povo, e é junto a ele que santifica a própria alma. Pois, como lembra o Beato João XXIII, “a santificação pessoal do padre deve modelar-se sobre o Sacrifício que ele celebra, segundo o incitamento do Pontifical Romano: ‘Sede conscientes do que fazeis, imitai o que tratais’” (Sacerdotii nostri primordia, n. 36).
Mas é também no altar que o sacerdote haure as forças necessárias para o combate espiritual. Pelo Sacramento da Eucaristia, ele se une com Cristo e fortifica com a graça sua vida interior. Ela serve de alimento e remédio espiritual, para o próprio ministro e para o povo que lhe foi confiado.
Fortalecer os fiéis com o Pão descido do Céu é o maior benefício que o pastor pode proporcionar a seu rebanho. Ao comerem nossos primeiros pais do fruto proibido, foi introduzido o pecado no mundo. Porém, a resposta divina proporcionou aos homens infinitamente mais do que estes perderam: deu-lhes o próprio Deus em alimento!

quinta-feira, 31 de maio de 2012

E nada Lhe resistirá

Pouco antes da Paixão, quando preparava seus discípulos para os acontecimentos vindouros, Jesus lhes disse que haveria de deixá-los e ir para o Pai: “Agora vou para Aquele que Me enviou”, uma referência não à sua morte, mas à Ascensão. Diante da reação consternada de seus ouvintes, Ele quis consolá-los e dar a explicação de sua partida: “Convém a vós que Eu vá! Porque, se Eu não for, o Paráclito não virá a vós; mas se Eu for, vo-Lo enviarei” (Jo 16, 5 e 7).
Na história da salvação, após as intervenções do Pai e do Filho, chegara o momento de o Espírito Consolador derramar-Se sobre os fiéis, para fortalecê-los na Fé e abrasar-lhes a alma. Iguais em tudo e por tudo e formando um só Deus — um Mistério da Fé, fora do alcance da razão humana —, cada Pessoa divina manifesta um atributo próprio: o Pai, “do qual são todas as coisas”, o Filho, “mediante o qual são todas as coisas”, e o Espírito Santo, “em Quem são todas as coisas” (Catecismo da Igreja Católica, nº 258).
O Paráclito é o Espírito de toda a graça, como rezamos na Ladainha com a qual O louvamos. Abundantes graças eram indispensáveis para os Apóstolos conquistarem as almas, e Ele as concederia: a prática da perfeição, a luz da inteligência, a inspiração dos profetas, a pureza das virgens.
Em Pentecostes, Ele chegou com um ribombo, adentrando os corações. A transformação dos Apóstolos foi imediata, radical e eficaz. Apresentaram- se destemidamente em público e, pela voz do primeiro Papa, tocaram o mais profundo dos ouvintes: só naquele dia, cerca de três mil pessoas foram convertidas e batizadas. Por tal razão, o dia de Pentecostes é muitas vezes considerado a data na qual nasceu a Igreja.
Santificador e guia da Igreja Católica — continua a Ladainha. A santa Igreja de Deus não é somente imortal; ela é também santa por ser vivificada pelo Espírito Santo. Por mais que falhas humanas possam nela ocorrer, em nada poderão diminuir essa santidade. Pela mesma razão, é a Igreja que santifica, por meio dos Sacramentos, todos aqueles que dignamente os recebem.
O Paráclito faz brilhar a verdade aos nossos olhos, concede-nos a sabedoria, comunica-nos um santo temor, dá-nos o dom das virtudes, traz-nos a verdadeira paz. Estes cinco títulos da Ladainha do Espírito Santo não parecem referir-se àquilo de que o nosso mundo mais carece? Se Diógenes percorresse hoje a Terra com sua lâmpada, teria de andar muito antes de encontrar verdade, sabedoria, temor de Deus, virtudes e paz. Mas isso não é razão para desânimo. Quando os discípulos do Senhor saíram dos limites da Terra Santa para difundir o Evangelho, pregaram valores opostos aos costumes de seu tempo, mas venceram. Dos apóstolos de nossos dias, o que o Divino Espírito Santo espera é simplesmente a mesma confiança filial, oração perseverante e disponibilidade. Ele, que é a palavra e sabedoria dos Apóstolos, falará por sua boca e nada Lhe resistirá.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Maria e o rosário


Em meio às aflições e dramas pelos quais passa a humanidade, o Sucessor de Pedro contempla o horizonte carregado de ameaçadoras nuvens e, movido pelo infalível sopro do Espírito Paráclito, discerne ter chegado o momento de ancorar a mais preciosa das Barcas, para enfrentar a grande tempestade que se avizinha.

Se não fosse a promessa irreversível do Senhor: “as portas do Inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16, 18), o futuro imediato da Barca de Pedro poderia ser a submersão pela procela apocalíptica que a cerca de todos os lados.

Será, entretanto, suficiente lançar âncoras e assistir de braços cruzados aos acontecimentos, tendo em vista a garantia de imortalidade da Igreja? Não é como tem procedido nosso Papa, nas atuais circunstâncias.

Uma de suas mais destacadas providências foi amarrar a Nau da Igreja à coluna da Eucaristia e à de Maria. Tem ele se destacado como um Papa apaixonado por conduzir os fiéis a abraçarem a santidade, essencialmente Eucarístico e Mariano, conforme atestam seus documentos.

Afirmou o saudoso Papa João Paulo II que “do mistério pascal nasce a Igreja. Por isso mesmo a Eucaristia, que é o sacramento por excelência do mistério pascal, está colocada no centro da vida eclesial”. Confiante no triunfo do Imaculado Coração de Maria, por Ela prometido em Fátima, com confiança proclamou-A Intercessora da Igreja, da humanidade e do futuro: “[…] confio de novo nas mãos da Mãe de Deus a vida da Igreja e a vida tão atormentada da humanidade. A ela confio o meu futuro. Entrego tudo nas suas mãos, para que, com amor de mãe, apresente ao seu Filho ‘para servir à celebração de sua glória’” (Audiência, 16/10/2002). Enalteceu o quanto pôde a recitação do Santo Rosário: “Quantas graças recebi nestes anos da Virgem Santa através do Rosário: Magnificat anima mea Dominum!” (Rosarium Virginis Mariae, 2).

“O Rosário é oração bíblica, toda tecida de Sagrada Escritura. É oração do coração, em que a repetição da Ave Maria orienta o pensamento e o afeto para Cristo, tornando-se súplica confiante na sua e nossa Mãe”, explicou o Papa Bento XVI na mensagem antes da oração do Ângelus, no Vaticano.

E o que foi que Nossa Senhora aconselhou aos homens e mulheres de nossa época? “Rezai o terço todos os dias para alcançar a paz para o mundo”. Atendamos com solicitude filial seu afetuoso pedido, sendo ardorosos devotos do Santo Rosário e fazendo crescer em nós, a cada dia, o amor a Ela.

sábado, 28 de abril de 2012

Bom Pastor

Arriscar a própria vida em benefício do rebanho é o grande heroísmo do bom pastor, na parábola do Evangelho (Jo 10, 11-16). Mas qual o pai, ou a mãe, ou quem quer que seja, capaz de dar como alimento sua carne e como bebida seu sangue por amor ao próximo? Só mesmo Deus estaria à altura de tão ilimitada virtude.
Com muita propriedade diz São Pedro Julião Eymard:
A Eucaristia é, por excelência, o Sacramento do Amor. (...) Na Eucaristia, recebemos o autor de todos os dons: o próprio Deus. É, portanto, principalmente na Comunhão que aprendemos a reconhecer a lei de amor que Nosso Senhor veio nos revelar.
* * *
A devoção a Jesus Sacramentado é um dos pontos centrais de nossa espiritualidade. Em todas as nossas casas, procuramos ter Adoração perpétua. E quando isto não é possível, por insuficiência de quorum, fazem-se ao menos várias horas por dia de oração perante o Santíssimo.
Eucaristia, Maria e o Magistério Infalível da Igreja: eis as três pilastras nas quais se funda a vida sobrenatural dos Arautos do Evangelho. Bone Pastor, panis vere, Iesu,nostri miserere... Bom Pastor, pão da verdade, Jesus, tende de nós piedade.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

O Coração de Cristo e o de sua Mãe!

Açoitado por agitadas ondas, sob raios e trovões de aterradora tempestade, lá vai o barquinho quase naufragando, e prestes a abandonar a luta. Até que, como outrora os Apóstolos no Mar da Galiléia, o exausto marujo no seu interior se lembra de que a salvação está ali mesmo, junto dele...
Não são assim também as tormentas que às vezes enfrentamos? Entretanto... a solução está sempre muito perto de nós. Após sua Ascensão ao Céu, Nosso Senhor não nos abandonou à nossa sorte. Continua à espera de que a Ele recorramos, pronto para fazer cessar qualquer tempestade.
Aqui tocamos no cerne da devoção ao Sagrado Coração de Jesus. A mensagem que Ele veio nos transmitir, nas revelações a Santa Margarida Maria Alacoque, fala de seu ardente amor por nós e do conseqüente desejo de nos socorrer.
Se soubéssemos quão “onipotente” é essa devoção! Se muitos cristãos a abraçassem, não apenas resolveriam seus problemas pessoais, mas ajudariam a reverter a grave crise mundial. É o que dizem os Papas dos últimos 150 anos.
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Ao longo do último século, assistiu-se à abolição dos pontos de referência, dos valores mais sagrados, das próprias bases da civilização, até chegar à trágica situação de hoje. Por quê?
Responde Leão XIII: “Quando a religião é descartada, fatalmente acontece que se desmoronam os mais sólidos fundamentos do bem público. Para fazer seus inimigos experimentarem o castigo por eles provocado, Deus os deixa à mercê de suas más inclinações, de modo que, abandonando-se às suas paixões, se entreguem a um excessivo desregramento. Daí essa abundância de males que há tempo avançam sobre o mundo.”
Leão XIII escreveu essas palavras na Encíclica Annum Sacrum, preparando a cerimônia de consagração da humanidade ao Sagrado Coração de Jesus, que se realizou em junho de 1899. Ele a terminava com esta proclamação:
“Quando a Igreja, ainda próxima de suas origens, estava oprimida sob o jugo dos Césares, um jovem imperador viu no céu uma cruz que anunciava e preparava uma vitória próxima e magnífica. Temos hoje outro lábaro bendito e divino que se oferece a nossos olhos: o Sacratíssimo Coração de Jesus, sobre o qual se levanta a cruz e que brilha com um deslumbrante esplendor, entre as chamas do amor. N’Ele devemos pôr todas as nossas esperanças, a Ele devemos suplicar e d’Ele devemos esperar nossa salvação.”
Assim, ainda que nosso barquinho encontre as piores borrascas, ergamos nossos olhos para esse pendão salvador, o Sagrado Coração de Jesus.
Para chegarmos mais rápida e diretamente até Ele, peçamos o auxílio d’Aquela que é Mãe d’Ele e nossa. Afinal, em se tratando de coração, “o que mais se assemelha ao Coração de Cristo é, sem dúvida, o de Maria, sua Mãe Imaculada, e precisamente por isso a Liturgia os indica juntos à nossa veneração” — diz Bento XVI (Ângelus, 5/6/2005).

sábado, 7 de abril de 2012

"Mortes" e "ressurreições" da história

Ao longo da história, a civilização tem passado por fases que parecem repetir a vida de Nosso Senhor, incluindo “paixões”, “mortes”, “sepultamentos” e “ressurreições”, a partir das quais brilha ainda mais intensamente do que em épocas anteriores. Foi assim, por exemplo, com o Império Romano do século V, já então católico, que afundou golpeado pelos bárbaros, para ressurgir com um brilho maior no império de Carlos Magno. No século IX, eis que novamente a Cristandade ameaça sucumbir pela anarquia religiosa e política, e pelas invasões dos vikings e dos maometanos, mas renasce ainda mais vigorosa na Idade Média, chegando a um patamar social e cultural nos séculos XII e XIII nunca antes atingido (foi a época em que “a filosofia do Evangelho governava os Estados”, no dizer do Papa Leão XIII). E entre altos e baixos, chegamos ao nosso tempo, após uma longa decadência. E, sob muitos aspectos, atingimos o ponto mais baixo desde aquele dia em que Cristo ressuscitou.
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Em face do crescente caos, da incerteza e da insegurança, de acontecimentos escandalosos e dolorosos, às vezes vacilamos. Somos atraídos pelo desânimo. Como aconteceu com os apóstolos naqueles dias em que Nosso Senhor jazia no sepulcro.

Que grande equívoco! Embora devamos saber ver toda a gravidade da situação que nos rodeia, temos de manter a certeza inabalável de que, como Cristo venceu a morte, também serão superadas com sua graça as dificuldades da hora presente.

Muitos santos, entre os quais São Luís Maria Grignion de Montfort, anunciaram o advento de um período glorioso para a Santa Igreja Católica, no qual Maria se tornará, como nunca antes, a Rainha dos corações.

Será o triunfo de seu Imaculado Coração, previsto por Ela mesma em Fátima, o “Reino de Maria”, época na qual Deus derramará sobre o mundo graças extraordinárias.

Possamos nós, desde já, sob a guia e o amparo de Nossa Senhora, neste mês cultuada sob a invocação de Mãe do Bom Conselho, anunciar a Boa Nova aos homens de nosso tempo, levando-lhes uma palavra de fé e de confiança. Assim estaremos entre aqueles que o saudoso Papa João Paulo II denominou de “sentinelas da manhã, nesta aurora do novo milênio” (Novo Millennio Ineunte, 9).

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Eucaristia

Arriscar a própria vida em benefício do rebanho é o grande heroísmo do bom pastor, na parábola do Evangelho (Jo 10, 11-16). Mas qual o pai, ou a mãe, ou quem quer que seja, capaz de dar como alimento sua carne e como bebida seu sangue por amor ao próximo? Só mesmo Deus estaria à altura de tão ilimitada virtude.
Com muita propriedade diz São Pedro Julião Eymard: A Eucaristia é, por excelência, o Sacramento do Amor. (...) Na Eucaristia, recebemos o autor de todos os dons: o próprio Deus. É, portanto, principalmente na Comunhão que aprendemos a reconhecer a lei de amor que Nosso Senhor veio nos revelar.

sábado, 31 de março de 2012

A caridade é o pleno cumprimento da Lei


Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas!”

Sete vezes invectiva Jesus a perfídia dos fariseus, com palavras severas e contundentes, no capítulo 23 de São Mateus, contrastando com sua habitual bondade e mansidão para com os publicanos, os pecadores arrependidos e os pequeninos.

A que se deve tão surpreendente atitude de Quem, no alto da Cruz, perdoou aos que O matavam e a um dos ladrões que com Ele morria? À falta de caridade para com o próximo e ao fato de quererem eles, escribas e fariseus, fazer consistir a religião no cumprimento de ritos externos, esquecendo o mais importante, ou seja, o amor a Deus e o amor ao próximo por amor de Deus: “Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, porque pagais o dízimo da hortelã, do funcho e do cominho e desprezais o mais importante da Lei: a justiça, a misericórdia, a fidelidade” (Mt 23, 23).

Esse desprezo de tal forma distorcia a essência da Lei que chegava até ao absurdo. Em certa ocasião, num sábado, os fariseus reunidos na sinagoga perguntaram a Jesus: “Será permitido curar no dia de sábado?” (Mt 12, 10). Respondeu Ele: “É lícito praticar o bem no dia de sábado” (Mt 12, 12). E logo em seguida curou um homem que tinha a mão ressequida. Em vez de tal milagre suscitar admiração, causou a reação contrária, por acharem ter sido violado o sábado, no qual era proibido trabalhar: “Os fariseus, saindo, reuniram-se em conselho contra Ele, para matá-Lo” (Mt 12, 14), não se perturbando sua consciência com essa atitude, a qual infringia abertamente o quinto Mandamento, que proíbe matar.

Essa cegueira de alma tão difundida entre os fariseus, e que causa tanto horror, se devia a não terem eles verdadeiro amor de Deus e não cumprirem com retidão de alma o primeiro Mandamento da Lei. Por isso, não eram capazes de ver no próximo a “imagem e semelhança” de Deus (Gn 1, 26).

Foi preciso que o Filho de Deus Se encarnasse e morresse na Cruz, fazendo nascer de seu Lado transpassado por uma lança a Santa Igreja, para que os homens, com auxílio da graça divina, pudessem praticar verdadeiramente a caridade.

Mas o risco de sobrevalorizar as exterioridades não é exclusividade dos fariseus, o que leva São Paulo a advertir com veemência os cristãos de seu tempo: “Ainda que distribua todos os meus bens em esmolas, e entregue o meu corpo a fim de ser queimado, se não tiver caridade, de nada me aproveita” (1 Cor 13, 3). Pois até mesmo no exercício da caridade para com o próximo, pode faltar a caridade para com Deus, tornando estéreis em méritos as melhores ações. Ao praticar essa virtude, na qual se resume toda a Lei, tenhamos sempre gravadas a fogo no coração o Mandamento Novo: “Que vos ameis uns aos outros, como Eu vos amei” (Jo 15, 12).

terça-feira, 27 de março de 2012

A DOR E O AMOR A DEUS

Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão? Fazendo eco a essas palavras de São Paulo na primeira Epístola aos coríntios, a liturgia da Semana Santa se refere à Paixão do Senhor, proclamando que os tormentos por Ele sofridos transformaram-se em glória e esplendor. Ao triunfar sobre a morte e o pecado, Cristo Jesus comprou nossa salvação, abrindo-nos de par em par as portas do Céu.

Foi esse, entretanto, o único objetivo do Salvador com seu supremo martírio? Não. Além de reparar as ofensas feitas ao Pai pelos pecados cometidos por suas criaturas humanas, e de redimi-las, quis Jesus nos ensinar um novo caminho de amor a Deus: o oferecimento irrestrito das próprias dores, chegando até ao sacrifício da própria vida.

Após o pecado original, afirma São Tomás, estabeleceuse na alma humana a necessidade do sofrimento para facilitar- lhe a aceitação de seu estado de contingência e, assim, ser levada a recorrer ao auxílio sobrenatural. Esta é a razão pela qual muitos autores católicos têm comparado a dor a uma espécie de oitavo sacramento. Sem esse poderoso meio, acentuar-se-ia no homem a tendência de fechar-se sobre si mesmo e constituir-se em centro do universo.

A dor o obriga a juntar as mãos em atitude de oração e a implorar a proteção de Deus e dos santos. Jesus, ao submeter-se a dores atrozes, físicas e morais, deu-nos o exemplo e a lição de quanto a dor é eficaz para conquistarmos a vida eterna. Visto na perspectiva da Cruz de Cristo, o sofrimento é suportado com paz e serenidade e se torna insubstituível instrumento de conversão e progresso espiritual.

A Semana Santa nos traz excelente ocasião para refletirmos a respeito dos benefícios da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo. Aproveitemos para pedir a nosso Redentor, por intercessão de Nossa Senhora das Dores, que os méritos do seu preciosíssimo sangue derramado desçam sobre nós, de modo que, ao enfrentarmos nossas dores quotidianas, tenhamos as mesmas forças com que Ele enfrentou as dores da Paixão.

sexta-feira, 23 de março de 2012

O patriarca dos dois testamentos

Se os homens pudessem ver a Deus como Ele é, em todo o seu esplendor, a vida não seria uma prova, nem seria necessária a virtude da fé, pois ela nos é dada a fim de podermos acreditar naquilo que não vemos. Para crer que um Deus Se fez homem como nós, talvez tenha sido necessário um ato de fé maior, por parte de quem conheceu Nosso Senhor Jesus Cristo em sua vida terrena, do que de quem, dois mil anos depois de sua Ascensão, nasceu e foi educado no seio da Igreja Católica.
Os Apóstolos, por exemplo, conviveram durante três anos com o Messias, no dia a- dia, caminhando a seu lado nas viagens apostólicas, observando suas reações humanas, como o cansaço o sono, a fome, a sede, a tristeza ou a alegria. Esses aspectos humanos de Jesus causavam-lhes dificuldade não pequena de ver n’Ele o Unigênito de Deus.
Tornou-se célebre o inquérito feito por Jesus aos seus mais próximos, durante uma viagem a Cesaréia: “No dizer do povo, quem é o Filho do Homem?” Nessa ocasião pôde-se comprovar quanto as pessoas em geral, e os próprios Apóstolos, viam n’Ele os aspectos humanos, e não a divindade. Só Pedro — e por revelação do Pai — foi capaz de afirmar; “O Filho de Deus”. E foi nesse binômio entre fé e revelação que Jesus instituiu o Papado: “Tu és Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja” (Mt 16, 18).
Mas esse acontecimento verdadeiramente grandioso se passou, talvez, à beira do caminho, à sombra de alguma árvore frondosa, enquanto descansavam um pouco, recuperando as forças para prosseguir viagem.
Quem presenciasse tal cena e não tivesse muita fé poderia conjeturar que ali estava nascendo uma instituição destinada a atravessar a História até o fim dos tempos? Impossível. Sem a graça de Deus, quem conheceu Jesus em Nazaré, levando a vida de um artesão, não seria capaz de ver n’Ele senão o filho do carpinteiro.
* * *
Através desse prisma, torna-se mais fácil compreender um dos grandes méritos de São José: crer, desde o primeiro momento, apesar das aparências humanas, que seu filho era o Messias, o Filho de Deus.
Essa fé lhe mereceu a mais alta dignidade à qual algum homem possa aspirar. Ser esposo de Maria, a Mãe de Deus, e pai, por direito, do Filho de Deus! Algum potentado teve tanto poder, a ponto de dar ordens a Deus? E algum rei teve corte tão faustosa que superasse a glória de conviver com pessoas de tão alta condição como Jesus e Maria?
No entanto, José, apesar de ser descendente de David e exercer o pátrio poder sobre o Filho de Deus, viveu toda a sua existência como um honesto carpinteiro. Talvez, até, um pouco desprezado por seus conterrâneos, por não ter ganância e se recusar a auferir lucros desproporcionados a seu trabalho, como o fariam outros. Tudo, nele, era aparentemente comum. Porém, sua fé em Jesus lhe conferia uma estatura superior à do próprio Abraão, e nele vemos realizar-se a figura do maior patriarca do Antigo Testamento, como também da Santa Igreja, que nasceria do Sagrado Costado de Cristo.

sábado, 17 de março de 2012

O futuro da Igreja

“Eu sozinho não posso suportar todo esse povo; ele é pesado demais para mim” — queixou-se Moisés ao Senhor. E concluiu aflito: “Em lugar de tratar-me assim, rogo-Vos que antes me façais morrer, se achei agrado a vossos olhos, a fim de que eu não veja a minha infelicidade!” Apiedando-se dele, Deus lhe respondeu: “Junta-me setenta homens entre os anciãos de Israel, que sabes serem os anciãos do povo e tenham autoridade sobre ele. Conduze-os à tenda de reunião, onde estarão contigo. Então descerei e ali falarei contigo. Tomarei do espírito que está em ti e o derramarei sobre eles, para que possam levar contigo a carga do povo e não estejas mais sozinho” (Nm 11, 14-17).

Esses anciãos auxiliares de Moisés foram citados durante vários séculos nos documentos eclesiásticos para ilustrar a função dos Cardeais em torno do Papa: ajudá-lo na condução da Igreja.

A instituição cardinalícia é resultado de um longo processo, cujas raízes se encontram já no século II da Era Cristã. Roma era dividida em “paróquias”, ou “tituli”. O primeiro presbítero de cada “título” era conhecido como o principal, ou “cardeal”. O mesmo ocorria com os diáconos que administravam as regiões encarregadas do cuidado dos pobres. Um documento de 499 traz a assinatura de 28 cardeais, presentes no Concílio de Roma. Com o crescimento dos encargos papais, os Pontífices chamaram os bispos das cidades vizinhas para auxiliá-lo. Aí está a origem dos cardeais-bispos. A primeira diocese cardinalícia foi a de Albano, em 680.

Os cardeais foram recebendo encargos cada vez maiores, e passaram a se reunir semanalmente com o Papa — nos consistórios — para tomar decisões a propósito de administração e finanças, criação e supressão de dioceses, problemas dogmáticos e questões de disciplina, entre outros. Sua importância cresceu ainda após o decreto “In nomine Domini”, de Nicolau II, em 1059, que regulamentava as eleições papais, instituindo-os como os únicos eleitores.

Refletindo a universalidade da Igreja, lentamente ocorreu uma internacionalização do Colégio cardinalício, tendência que ganhou força com São Gregório VII (1073-1085).

A pari passu com o desenvolvimento do cardinalato, a Igreja foi instituindo os organismos que hoje compõem o belo tecido eclesial. Tudo nasceu como em família, e foi adquirindo santidade, solidez jurídica e doutrinária, dando-lhe o vigor, não de uma instituição que não morre, nem mesmo chega à agonia, mas rejuvenesce sempre.

quinta-feira, 8 de março de 2012

MARIA, O MAIS RÁPIDO E SEGURO CAMINHO ATÉ CRISTO

Nada há de mais cristocêntrico que a devoção a Nossa Senhora. Este é o eixo do pensamento de São Luís Maria Grignion de Montfort, no seu admirável Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem. Já na Introdução, o grande santo marial enuncia a tese que norteia todo o seu livro: “Foi por intermédio da Santíssima Virgem Maria que Jesus Cristo veio ao mundo, e é também por meio d’Ela que Ele deve reinar no mundo”. Assim, Cristo Jesus quer reinar sobre os corações por intermédio de Maria Santíssima.

Ardoroso devoto de Grignion de Montfort, o saudoso Papa João Paulo II fez substanciosos comentários sobre o caráter cristocêntrico da espiritualidade montfortiana. Certo dia, o Sumo Pontífice confidenciou:

“”Quando eu, como seminarista clandestino, trabalhava na fábrica Solvay, de Cracóvia, o meu diretor espiritual aconselhou-me a meditar sobre o Tratado da verdadeira devoção à Santíssima Virgem. Li e reli muitas vezes, e com grande proveito espiritual, este precioso livrinho ascético de capa azul que se tinha manchado de soda. Ao situar a Mãe de Cristo em relação ao mistério trinitário, Montfort ajudou-me a entender que a Virgem pertence ao plano da salvação por vontade do Pai, como Mãe do Verbo encarnado, por Ela concebido por obra do Espírito Santo. Toda a intervenção de Maria na obra da regeneração dos fiéis não se põe em competição com Cristo, mas d’Ele deriva e está a seu serviço. A ação que Maria realiza no plano da salvação é sempre cristocêntrica, isto é, faz diretamente referência a uma mediação que acontece em Cristo. Compreendi, então, que não podia excluir da minha vida a Mãe do Senhor, sem desatender a vontade de Deus-Trindade, que ‘quis iniciar e realizar’ os grandes mistérios da história da salvação com a colaboração responsável e fiel da humilde Serva de Nazaré.”” (Discurso no 8º Colóquio Internacional de Mariologia, 13/10/2000)

Fiéis à Cátedra de Pedro e compartilhando a prática da espiritualidade montfortiana —— inclusive consagrando-se, como João Paulo II, a Jesus Cristo pelas mãos de Maria ——, os Arautos do Evangelho crêem que a difusão da devoção à Mãe de Deus é o melhor meio de conquistar as almas para Jesus Cristo, com a solidez, o calor e a urgência que a situação de nossos dias exige. 

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

O primeiro seminário da Igreja


Oportet et haereses inter vos esse” — “É oportuno que haja divisões entre vós” (I Cor 11, 19).

Por mais que seja perplexitante esta afirmação de São Paulo, a realidade dos fatos não tem feito senão confirmá-la. Quantas verdades de Fé não foram definidas apenas quando foi necessário combater o erro oposto? E quantas obras foram suscitadas pelo Espírito Santo, para dar remédio aos males de determinada época! Quase se poderia afirmar ter sido essa a causa do surgimento de grande número de congregações ou ordens religiosas.

Com a instituição dos seminários não foi diferente.

A profunda crise moral e religiosa do século XVI tornou patente a necessidade imperiosa de formar solidamente os que se preparavam para o sacerdócio. Para isto, o Concilio de Trento, em sua sessão de 15 de julho de 1563, recomendou abrir seminários no maior número de dioceses. No ano seguinte, Pio IV decretava a fundação do Seminário Romano, inaugurado em fevereiro de 1565. E, a partir daí, de tal forma essa instituição lançou raízes ao longo dos tempos, que não há hoje pastor que não dedique o melhor de seu esforço e atenção à formação dos futuros sacerdotes.

Encerrado o Concílio de Trento, não foi imediata a aplicação de suas inspiradas diretrizes, no que diz respeito à ampla criação de seminários diocesanos. Os bispos mais zelosos, porém, empenharam-se diligentemente em fazer vigorar as normas conciliares. Por exemplo, São Carlos Borromeu, em Milão e Frei Bartolomeu dos Mártires, em Braga (Portugal), onde fundou o Seminário Conciliar, nome conservado até aos dias de hoje.

Na França, foi São Vicente de Paulo quem deu o mais forte impulso a esta importante iniciativa.“Formar bons eclesiásticos é a obra mais difícil, mais alta e mais importante para a salvação das almas”, dizia ele. Para isto, criou um seminário no Collège des Bons Enfants, onde os candidatos ao sacerdócio foram separados dos demais, a fim de lhes ser dada uma formação religiosa mais cuidadosa. Originavam-se assim um seminário maior e outro menor.

Também em nossos dias o Espírito Santo não deixa de suscitar medidas que dêem remédio aos males de nossa época. Assim, inspirou ao Papa Bento XVI a iniciativa de reformar alguns aspectos do ensino nos seminários, a fim de revitalizar esta instituição e adequá-la melhor às necessidades atuais.

O estudo é indispensável na formação dos seminaristas, mas não deve impedir o sacrum convivium que cada um deles deve ter com Nosso Senhor Jesus Cristo, com sua Mãe Santíssima e com todos os santos e bem-aventurados. Essa é a lição que Nosso Senhor nos deixou. Ele, com sua infinita sabedoria, além de ter promovido a leitura dos Evangelhos, ao longo dos séculos, depois de sua Ascensão, deixou escrita nas almas uma tradição viva. E só depois de ter formado os Apóstolos, nas vias da Revelação e da santidade, é que lhes deu o mandato: “Ide por todo o mundo, e pregai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16, 15). No conhecimento teológico e no progresso da vida espiritual, durante os três anos de relacionamento direto dos Apóstolos com Nosso Senhor, consistiu o primeiro seminário da História.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

“Ut omnes unum sint”

“Et factum est prælium magnum in Cælo” (Ap 12, 7)
Grande batalha fez-se no Céu. Ao brado de “Non serviam!” — Não servirei! — de Lúcifer se antepôs o de São Miguel Arcanjo: “Quis ut Deus?” — Quem como Deus? Foi esse o primeiro rompimento da unidade desejada e estabelecida pelo Criador na ordem do universo. Em seguida, as relações com Deus foram rompidas em sua harmonia por nossos primeiros pais, na atmosfera primaveril do Paraíso Terrestre. A partir de então, invejas, ciúmes, juízos temerários, murmurações, calúnias, revoltas, etc., passaram a ser frequentes, tornando longínqua aquela união do plano primeiro da Criação.
Só mesmo a Encarnação do Verbo poderia oferecer condições ideais para se reobter, de alguma forma, a felicidade original. O próprio Jesus Cristo manifestaria em Sua oração proferida na Última Ceia: “Para que todos sejam um…” (Jo 17, 21). Derramado seu Preciosíssimo Sangue no Calvário, não tardou para que os primeiros cristãos realizassem esse desejo do Redentor, pois “a multidão dos que haviam crido possuíam um só coração e uma só alma…” (At 4, 32). Solidificou-se, assim, o Corpo Místico de Cristo, uma realidade que passou a ser nota marcantemente frequente na pregação e escritos de São Paulo. Insistiria o Apóstolo em considerar o fato de termos uma só Fé e um só Batismo, de constituirmos um só corpo e, em consequência, a necessidade de haver uma perfeita unidade entre todos.
Ademais, como batizados, temos o privilégio de possuir o Divino Espírito Santo como animador do Corpo Místico, tal qual o faz a alma ao unir e promover a cooperação de todos os membros do corpo humano. Ele é amor, e onde este impera há a unidade, pois quem ama facilmente se esquece de si, para fixar-se unicamente em Deus. Por sua vez, Deus, sendo amor e caridade, empenha-Se em dar-Se e comunicar-Se. Eis o verdadeiro modelo para nós: dar, dar de nós mesmos e para sempre. Aqui está a mais celestial maneira de viver nossa vocação de cristãos.
Porém, infelizmente, são múltiplos e crescentes os pecados contra a caridade e, entre eles, os mais graves são praticados pelos homens que se voltam contra a característica essencial do Corpo Místico de Cristo, ou seja, a unidade. Alguns não passam de sentimentos que escapam do influxo da vontade. Outros, porém, são muito graves e, às vezes, fruto de uma consciência deformada que focaliza somente alguns pontos da moral, mas negligencia a suma importância da unidade do Corpo Místico.
Por amor a Deus e a essa harmonia por Ele querida na ordem da Criação e em Sua Igreja, devemos subestimar os defeitos tão comuns à nossa decaída natureza, superando as rivalidades, dissensões e ressentimentos deles oriundos, pela prática de uma profunda e sobrenatural humildade. Sigamos o conselho do Apóstolo: “Sede um só corpo e um só espírito, assim como fostes chamados pela vossa vocação a uma só esperança” (Ef 4, 4).
Ora, se esse deve ser um dos elementos fundamentais da espiritualidade católica de santidade entre irmãos e irmãs, ou seja, a caridade, muito mais temos obrigação de realizá-la em relação ao nosso Doce Cristo na Terra, Sua Santidade o Papa, seja ele quem for.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

O zelo e a dor

Ao iniciar sua vida pública, após ter realizado o primeiro milagre, transmutando a água em vinho nas bodas de Caná, Nosso Senhor Jesus Cristo quis manifestar seu ardoroso zelo pela casa do Pai. Subiu a Jerusalém, onde deparou-Se com vendedores de animais e cambistas de moedas, instalados no átrio de acesso ao Templo. Vendo aquela desordem, tomou-Se de santa cólera e, sem nada de temperamental ou de descontrole de suas paixões — muito pelo contrário, por um movimento de suas heroicas e harmônicas virtudes — empunhou um chicote e expulsou todos os que ali se encontravam, até mesmo os cambistas.
Pareceria a abertura de uma missão que iria culminar num insuperável triunfo. Entretanto, tudo terminaria no alto do Calvário, na ignominiosa morte de Cruz.
Tal paradoxo produz espanto à criatura humana. Que uma das Pessoas da Santíssima Trindade Se encarnasse, de si bem pode causar perplexidade; e muito mais considerando que, para poder sofrer, escolhesse um corpo padecente.
Essas reações são compreensíveis, pois nossa natureza não foi criada com vistas ao sofrimento. Deus, ao tirar do nada os seres inteligentes, destinou-os à felicidade. Ora, a existência da dor causa perplexidade, quer aos anjos em estado de prova, quer aos homens.
Essa perplexidade, porém, poderá ser bem maior diante do oferecimento como vítima expiatória, feito pelo Salvador para redimir o gênero humano, aceitando ser preso, flagelado e crucificado. Como assimilar na tranquilidade a profecia de Isaías, escrita tantos séculos antes: “Era desprezado, era a escória da humanidade, homem das dores, experimentado nos sofrimentos; como aqueles diante dos quais se cobre o rosto, era amaldiçoado, e não fazíamos caso d’Ele” (Is 53, 3)? Ele, que flagelara, foi flagelado. Ele, a quem queriam proclamar rei, viu-Se coroado de espinhos. Ele, que atirara ao solo as mercadorias, caiu três vezes sob o peso da Cruz... Por que, a partir do auge de triunfante zelo, chega-se a este auge de dor, que foi a Paixão?
Em Nosso Senhor Jesus Cristo tudo é perfeito, porque Ele, enquanto Deus, é a perfeição em substância. Em sua própria natureza humana, unida hipostaticamente à Divindade na Pessoa do Verbo, também tudo é perfeito. É nesta perfeição que encontramos virtudes aparentemente opostas, em inteira harmonia: o zelo e a dor.
Do mesmo modo que os vícios, as virtudes são todas coligadas entre si. Quando uma delas chega a ser praticada em grau heroico, eleva consigo as outras. Em Nosso Senhor o firmamento das virtudes é constituído por estrelas que alcançam seu máximo esplendor. Assim sendo, as virtudes, por mais opostas que pareçam à primeira vista, são irmanadas e se revertem umas nas outras. Por aí entendemos o quanto o zelo pela causa de Deus pode ser harmônico, e até mesmo a própria base, do desejo de entregar-Se como vítima expiatória, para a glória do Pai e a salvação das almas. Em Jesus, a bondade e a cólera, como também a dor e o zelo, se unem, se osculam e se requintam.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

O esplendor do Templo

Eu moro num palácio de cedro, e a arca de Deus está alojada numa tenda! (2 Sam 7, 2). Com essas palavras, o Rei Davi manifestou seu ardente desejo de oferecer um edifício para Deus. Porém, Davi morreu sem satisfazer seus anseios, e somente seu filho Salomão começou a edificar a casa do Senhor (1 Rs 6, 1).
Terminada a grandiosa construção, realizou-se a primeira liturgia de Dedicação, na qual o Templo foi consagrado ao culto pela deposição da Arca da Aliança no Santuário e a realização de inúmeros sacrifícios. Quando os sacerdotes saíram do lugar santo, a nuvem encheu o Templo do Senhor, de modo tal que os sacerdotes não puderam ali ficar para exercer as funções de seu ministério; porque a glória do Senhor enchia o Templo do Senhor (1 Rs 8, 10-11). Deus manifestava, por esse sinal sensível, o caráter sagrado daquela construção: O Meu nome estará nela (1Rs 8, 29).
Dez séculos depois, naquele mesmo local, Jesus respondia aos Fariseus: Destruí este templo e Eu o reedificarei em três dias. [...] Ora, Ele falava do templo de seu corpo (Jo 2, 19.21). E São Paulo, em sua Epístola aos Coríntios, estende a nós essa comparação: Não sabeis que sois o templo de Deus, e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destruir o templo de Deus, Deus o destruirá. Porque o templo de Deus é sagrado — e isto sois vós (1 Cor 3, 16-17).
Existe, pois, uma correlação entre o templo material — a Casa de Deus —, o templo vivo que somos nós, enquanto inabitados pela Santíssima Trindade, por meio do Espírito Santo, e o Templo por excelência que é o próprio Nosso Senhor Jesus Cristo, em sua adorabilíssima humanidade.
* * *
O povo eleito, quando perdeu seu primeiro templo, empenhou-se em reconstruí-lo. Do ponto de vista material, o novo edifício não esteve à altura do anterior, mas dele afirmou o profeta Ageu: O esplendor desta casa sobrepujará o da primeira (Ag 2, 9). E, de fato, assim foi, porque nesse segundo templo realizou-se a apresentação do Filho de Deus, pelas mãos de Maria Virgem, como também, trinta anos depois, muitas vezes ali esteve a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade encarnada, para curar os enfermos, perdoar os pecados de muitos e anunciar a chegada do Reino eterno.
Se grande foi o esplendor daquele templo material, marcado pela presença de Jesus, o esplendor dos templos vivos, que são todos e cada um dos cristãos, é ainda maior. Pois nas almas em graça, nas quais habita o Espírito Santo, Jesus se faz eucaristicamente presente, em Corpo, Sangue, Alma e Divindade, sempre que recebem a Comunhão Sacramental.
Por essa razão, o zelo pela santificação nossa e dos demais deve ser muito maior do que o nascido no coração do Rei Davi. Contemplando o triste panorama das almas existentes nos dias atuais, vemos incontáveis batizados lançados pelo demônio num verdadeiro oceano de relativismo moral. São os templos vivos, arrasados pela corrupção de ideias e costumes, que necessitam urgentemente ser reconstruídos com as pedras da santidade, a fim de que a sociedade venha a ser o que ela nunca foi: um só corpo e um só espírito, sob a égide de um só Pastor.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Invencibilidade do Bem

Quem conhecesse Jesus, ao longo de seus trinta anos de vida oculta, depois de ter assistido ao seu nascimento na Gruta de Belém, seria levado a se perguntar por que o filho de Deus escolheu um lugar tão pobre para nascer e condições tão humildes para o desenrolar de sua existência.
Essa interrogação talvez tivesse ainda outros desdobramentos: não poderia Ele, sendo Todo-Poderoso, vir ao mundo manifestando sua glória e majestade, para se fazer adorar por todos os homens? Não seria bem mais fácil que, assim agindo, todos O aceitassem como o Messias prometido?
Entretanto, preferiu a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade revestir-se da fragilidade da condição humana, em vez de externar a sua grandeza inerente, criando assim um sublime paradoxo.
Tudo na vida de Nosso Senhor obedece a desígnios cheios de Sabedoria. Se sua divindade fosse externada de forma inequívoca, revestindo-se de poder e fulgurante pulcritude, não seria necessária a virtude da Fé para nEle acreditar. Bastaria uma simples constatação da inteligência e um pequeno esforço da vontade, da mesma maneira como para o olho humano é suficiente abrir as pálpebras para captar a luz e enxergar tudo quanto está dentro do seu campo de visão.
Sendo sua realeza e divindade reconhecidas por todas as categorias sociais, pelos poderes civis e religiosos, que mérito haveria, para os homens, em nEle crer?
Eis uma das razões pelas quais o Filho de Deus quis Se encarnar em um corpo padecente, sem a transparência de sua natureza incriada e eterna: oferecer ao homem a possibilidade de praticar a Fé.
Apesar disso, nunca esteve a divindade de Nosso Senhor dissociada de sua humanidade. Seria até absurdo pensar num Cristo meramente humano, como fizeram os arianos e outras seitas. Mas, por outro lado, também erraria quem imaginasse ser possível o fracasso definitivo de uma Pessoa que assim assume tão débil natureza, pois à divindade é inerente o triunfo, por mais que as circunstâncias falem em sentido contrário.
A vitória de Jesus manifestar-se-á, sobretudo, no fim dos tempos, quando Ele vier julgar os vivos e os mortos. Mas, também, ao longo da história, torna-se ela patente na invencibilidade da Igreja, decorrente da promessa de Nosso Senhor a São Pedro: “As portas do inferno não prevalecerão contra Ela” (Mt 16, 18).
Qualquer que seja a circunstância histórica, por piores que sejam as perseguições ou as manifestações do ódio de Satanás e do mal contra a Esposa de Cristo, pode-se dizer que Ela será não somente invencível, mas triunfante.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Divina visita

Metáfora de Dr. Plinio Correa de Oliveira ensinando-nos a bem nos prepararmos para a Sagrada Comunhão.

Imaginemos que, de repente, parasse diante de nossa casa um magnífico Rolls-Royce, e dele descesse um ajudante de campo, esplendidamente fardado, tocasse a campainha e anunciasse a chegada da Rainha da Inglaterra, dizendo:
— Aqui mora fulano de tal?
A criada que o atendesse diria surpresa:
— Sim, é aqui que ele mora.
— Então abra as portas porque Sua Graciosa Majestade, a Rainha Elisabeth II, veio fazer-lhe uma visita a fim de demonstrar toda a estima que tem por ele, e aqui permanecerá por dez minutos.
Imediatamente se abririam as portas, e nós não saberíamos o que fazer para agradecer à rainha que estaria honrando nossa casa com sua presença.
Mais ainda do que honrar a casa, ela nos estaria beneficiando com o seu convívio: quando se trata de um visitante tão especial, algo de sua nobreza,nde sua excelência, de seu talento é transmitido ao visitado.
***
Pois bem, haveria algum propósito, ao cabo de dez minutos, nós dizermos à rainha: “Majestade, me desculpe, mas esta conversa está demasiado cansativa. Precisaríamos encerrá-la.”?
Pelo contrário, ficasse a rainha o tempo que quisesse, multiplicaríamos nossos esforços para conseguir que ela permanecesse onze minutos em vez de dez; e, caso conseguíssemos, pensaríamos: “Está vendo? Ela iria ficar aqui por dez minutos, mas porque eu sou simpático ficou onze.”
***
Ora, quando na Sagrada Eucaristia, Jesus penetra em nós, dá-se um convívio infinitamente mais intenso do que aquele da visita feita pela Rainha da Inglaterra.
Na Sagrada Comunhão, Nosso Senhor Jesus Cristo visita nossa alma intimamente; não se trata de algo externo ao nosso ser — como visitar nossa casa —, mas sim, de algo interno: Ele entra em nós.
Poderíamos, após esta visita de Nosso Senhor, estar contando os minutos para encerrar nossa ação de graças?
Pelo contrário, devemos fazer uma compenetrada ação de graças após a Comunhão; e para isso é indispensável que para ela nos preparemos bem, adequadamente, tendo bem presente o ato maravilhoso e grandioso que vai se dar.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Infalibilidade: um dom de Deus à Igreja

É admirável, no universo, a perfeição dos instintos dos seres vivos. Por exemplo, a precisão com a qual as plantas penetram suas raízes na terra, em busca de minerais, e as fortalecem de forma a sustentar o todo de sua constituição. Em condições normais, nunca acontece de uma árvore deixar, por algum equívoco da natureza, um de seus ramos crescer de forma desordenada, desequilibrando todo o conjunto. Algumas espécies encantam nosso olhar pela beleza e harmonia com que seus galhos se distribuem, em impecável simetria, ao longo do tronco. Sem o concurso de jardineiro, elas se desenvolvem segundo as características próprias, suprindo “instintivamente” as necessidades de sua vida vegetal.
Mas, se nos detivermos no mundo animal, essa maravilhosa exatidão se torna ainda mais patente. Todo ser animado procura de modo ordenado sua subsistência e reprodução. Como explicar o excelente senso de orientação que leva certas aves a percorrerem longas distâncias, às vezes cruzando mares, sem errar o destino? Alguns animais, como o esquilo, já no verão prevêem com segurança a intensidade dos rigores do próximo inverno e fazem suas reservas de acordo com o frio a enfrentar. Tanto é assim que, na América do Norte presta-se atenção neles para saber se duro ou suave será o inverno.
Assim o homem, embora seja o rei da criação, observa o comportamento dos animais para suprir algumas insuficiências dos instintos de sua natureza.
Poder-se-ia perguntar se Deus — no que toca aos instintos — não teria criado o homem inferior aos animais.
Mesmo depois do pecado original, a alma humana sai das mãos de Deus com os princípios sinderéticos em perfeita ordem. Os transcendentais: o bem, o belo, a verdade e o “unum”, lhe são inatos. Por isso, explicanos S. Tomás de Aquino (cf. Suma Teológica, II-II, q. 109, a. 3) que o homem não pecando, ao manter-se na sua inocência, tem a posse da verdade. Nossa inerrância depende da prática do amor a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos. O erro se introduz em nossas almas a partir da perda dessa união com Deus; daí observarmos como se multiplicaram ao longo da História filosofias as mais díspares e absurdas, quando, afinal, a Verdade é uma só.
Apavora-nos imaginar o que seria de nós se não houvesse uma cátedra infalível da Verdade, na qual pudéssemos ancorar os nossos pensamentos e decisões. O Filho de Deus encarnado, conhecedor das deficiências intelectuais e volitivas da natureza humana, edificou um farol nesta terra, no âmago de sua Igreja, com a missão de continuamente orientar seus filhos rumo à Verdade: o Papado.
Ao constituir Pedro como fundamento de sua Igreja, Nosso Senhor Jesus Cristo selou seu gesto com uma promessa: “As portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16, 18). Conferia-lhe, assim, o carisma da infalibilidade, para que a Igreja, guiada por Pedro e seus sucessores, nunca possa se desviar da Verdade. E isto vale mais do que todos os instintos da natureza.

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

A restituição

“Os céus publicam a glória de Deus, e o firmamento anuncia a obra das suas mãos”, canta o Rei Davi no Salmo 18, resumindo numa frase a restituição dos seres minerais a Deus, por terem sido objeto de seu dom criador. São inanimados, mas se vida possuíssem, cantariam eternamente essa grande dadivosidade divina a fim de fazer-Lhe retornar em louvor os bens recebidos. E continua o Salmista: “Um dia transmite esta mensagem ao outro dia, e uma noite comunica-a à outra noite. Não é uma palavra nem uma linguagem, cuja voz não possa perceber-se: o seu som estende-se por toda a terra e as suas palavras até as extremidades do mundo” (Sl 18, 3-5).
Até os pagãos chegaram a reconhecer essa soit-disant manifestação do universo sideral que tão claramente transparece nas considerações de Platão quando afirma deslocarem-se os astros, emitindo cada qual sua melodia, constituindo em seu conjunto a grande sinfonia do universo. Sim, de fato, Deus onipotente, ao criar, só poderia tê-lo feito para sua própria glória. Essa é a causa final da obra dos seis dias, surgida ad extra da Trindade Santa.
Pelo simples fato de existirem, os seres minerais ou inanimados rendem a Deus uma glória material, mas aos inteligentes — anjos e homens — cabe contemplar os reflexos d’Ele esparsos por esse incomensurável horizonte e, no mais perfeito dos movimentos, segundo São Tomás, fazer retornar à Causa Eficiente, ou seja, ao próprio Deus, o seu efeito. É o que se denomina a glória formal ou extrínseca. Têm anjos e homens o dever moral de restituir a Deus, em ação de graças, toda a maravilhosa obra da criação, reconhecendo-Lhe a autoria, sob o risco, ao não fazê-lo, de cair, por castigo, nos piores horrores morais, conforme afirma São Paulo em sua epístola aos Romanos (Rom 1, 18-32).
É justamente nessa perspectiva que se encontra a grande trama da história dos anjos e homens em estado de prova. A primeira grande batalha deu-se no céu entre São Miguel e os anjos bons de um lado, e Satanás e seus sequazes de outro, e o cerne da dissensão não foi senão esse. Ao Non serviam correspondeu o magnífico Quis ut Deus. A apropriação foi, assim, eternamente derrotada pela restituição. É esse também o cerne da bênção de Deus aos povos, às nações, às famílias e aos indivíduos e até mesmo às eras históricas. Os céus se tornam dadivosos em relação àqueles que sabem proclamar as belezas e bondade das criaturas, amorosamente considerando o Ser substancial que as fez surgir do nada.
A gratidão é a mais frágil das virtudes, segundo se costuma afirmar. E realmente é o que se nota com tanta freqüência no relacionamento humano. Mais ainda, quanto as guerras, os crimes, os desentendimentos, etc., não têm em sua raiz um não-reconhecimento dos valores alheios? Sim, como a história angélica, também a humana se concentra nesses dois pólos: o da restituição e o da apropriação. Aí está o destino do processo humano, e do próprio terceiro milênio.
Não é difícil prognosticar o nosso amanhã: se hoje restituímos a Deus o que é de Deus, será de bênção, paz e alegria; se for de apropriação, o castigo, a guerra e a frustração constituirão a paga em seu entardecer.