quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Sol entre duas fornalhas

Todo sacerdote é, conforme nos ensina São Paulo, “escolhido entre os homens e constituído a favor dos homens como mediador nas coisas que dizem respeito a Deus” (Hb 5, 1). Ele é, portanto, e antes de mais nada, um homem que comparte a mesma sina de todos os demais filhos de Adão e Eva, carregando defeitos e qualidades, e tendo na sua frente uma estrada de luta na qual se misturam tristezas e alegrias. Contudo, ao ser chamado por Cristo para ser seu ministro, deixa de ser um homem comum: ele passa a ser aquele sobre quem a mão de Deus pousou.
Confiscado por Deus para servi-Lo com exclusividade numa condição excelsa, o sacerdote se vê, contudo, muitas vezes assediado pelas preocupações do mundo. Constituído “como mediador nas coisas que dizem respeito a Deus”, é frequentemente tentado de cuidar de outros afazeres, como Marta, à qual, entretanto, Nosso Senhor recordou: “uma só coisa é necessária” (Lc 10, 42). Isto será tanto mais verdade para quem livremente escolheu colocar a mão no arado (cf. Lc 9, 62).
Pela imposição das mãos, o presbítero é consagrado ao serviço do Senhor. Torna-se pessoa sagrada, ministro de um culto sagrado, visando um fim sagrado. Isto exige dele ter, a partir daquele momento, “um coração totalmente entregue ao Senhor” (Card. Franc Rodé, Homilia, 22/8/2014). Obriga-o também a renunciar a tudo quanto seja profano e possa afastá-lo do sagrado.
Instrumento puríssimo do amor divino, o sacerdote tem como missão essencial incendiar as almas com o fervor por Deus, para multiplicar e expandir o fogo sublime que o próprio Cristo veio trazer à Terra (cf. Lc 12, 49), com o preço de seu Sangue; aquele fogo belíssimo que desceu sobre Maria e os Apóstolos (cf. At 2, 3).
Contudo, o mesmo Cristo que promete as maiores recompensas para os fiéis, não deixa de ameaçar as “árvores que não produzirem bons frutos” (Lc 3, 9; Mt 3, 10) com um “fogo que nunca se apaga” (Mc 9, 46). O sacerdote é colocado assim, numa perspectiva que transcende largamente sua natureza humana, entre duas fornalhas eternas: uma toda feita de amor, outra alimentada pela Justiça Divina.
Mas a santidade própria ao estado sacerdotal não se esteia no desejo de servir a Deus por temor ao inferno. O ministro consagrado deve abrasar-se de uma caridade intensíssima que o consuma, diante da qual nenhum sacrifício, nenhuma renúncia, nenhum holocausto pareçam excessivos. Chamado a ser “luz do mundo” (Mt 5, 14), o sacerdote tem o dever de converter-se num sol a iluminar e aquecer a Terra com o ardor de seu amor a Deus.

Se o católico ideal é um homem de fogo, o sacerdote só será digno de sua altíssima condição se ele tiver uma alma incendiada em amor. Se ele for um homem em cujas veias não circula sangue, mas fervor em brasas.

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

Evangelizar através da beleza

Os impressionantes avanços técnicos e científicos do século XX transformaram a fundo a vida quotidiana do homem. Graças a eles tornou-se possível executar sem esforço tarefas até então insuspeitadas. Mas essa praticidade acabou por conferir, de outro lado, uma simplificação em todos os atos sociais.
As cerimoniosas manifestações de respeito, por exemplo, foram paulatinamente substituídas por maneiras cada vez mais informais. No mesmo sentido, qualquer ornato passou a ser considerado desnecessário por não ser prático. E no intuito de procurar a funcionalidade em tudo, acabou-se por se distanciar do que é transcendente ou sobrenatural.
Nessa conjuntura, não faltaram vozes que alertaram ter o mundo moderno quase exilado a beleza do dia a dia. Entre elas, a do Papa Paulo VI que, por ocasião do encerramento do Concílio Vaticano II, lançou na Mensagem aos Artistas este apelo: “O mundo no qual vivemos tem necessidade de beleza para não cair no desespero.”
Sente-se o homem órfão do belo. Sua alma busca valores perenes que reportem às verdades transcendentes. Porque “assim como a corça suspira pelas águas vivas” (Sl 41, 2), o ser humano tem sede de Deus, Beleza absoluta e eterna.
Para saciar esse legítimo anseio, dispõe a Igreja de um inestimável instrumento: a Liturgia. Se a ilibada doutrina católica ilumina e orienta a humanidade há dois mil anos, talvez tenha chegado o momento de atingir, sobretudo pela beleza expressa nos ritos, as gerações pós-modernas tão avessas a estudos teóricos.
Não estará reservado para a presente quadra histórica o recurso àquilo que São Tomás denomina convertio ad phantasmata? Haverá, em última análise, hoje em dia, outro meio mais idôneo de evangelizar?
A Liturgia, devidamente executada e apresentada, é mais eficaz na evangelização do que qualquer documento escrito, porque atinge todas as pessoas, independente de cultura, idade ou idioma. Nela, o belo se manifesta e fala por si. Sem necessidade de raciocínios, eleva a alma diretamente ao sagrado, abrangendo todos os sentidos do homem.
Com efeito, qual a razão de os paramentos litúrgicos terem sido, em todos os tempos, elaborados com os mais requintados tecidos ricamente bordados? Por que a Esposa de Cristo destilou delicados incensos para representar nossa oração subindo ao Pai? E para que os sinos e o órgão, veneráveis vozes da Santa Igreja, senão para melhor nos elevar às realidades celestes? E a beleza e riqueza dos templos e dos objetos utilizados no culto?
A solenidade, a pompa e o esplendor da Liturgia criam um ambiente atemporal que liga o passado ao presente, o visível ao invisível, o terreno ao celestial, enfim, a criatura ao Criador.

Realmente, como bem lembrou São João Paulo II, nunca como hoje se pode dizer tão a propósito que a beleza salvará o mundo! 

quarta-feira, 9 de julho de 2014

A palavra: seu poder

Assim como a presença de Nosso Senhor na Terra é multiplicada ao longo dos tempos pelo Sacramento do Altar, a sua Palavra é propagada pelos lábios dos sacerdotes. E a ambos — Eucaristia e Palavra — devemos dar o mesmo tratamento, conforme ensina Santo Agostinho com sua inquestionável autoridade.
Por isso Jesus, que dá aos seus ministros o poder de promover a transubstanciação, também lhes dá o de encontrar a palavra exata em benefício das almas. Com efeito, quantas angústias mitigadas, quantos furores apaziguados, quantas dúvidas de consciência resolvidas nos sigilos dos corações, quando Deus fala através de seus sacerdotes! Nisso temos um direito fundamental e sagrado do fiel: o acesso à palavra vivificante do sacerdote.
Quando uma palavra procede do conhecimento humano, fruto do estudo, da observação ou da elucubração, tem alguma utilidade? Sim, sem dúvida. A palavra de um literato, de um historiador ou de um filósofo, pode ser muito interessante e até formativa. Mas não se compara às palavras proferidas por Nosso Senhor, que “são espírito e vida” (Jo 6, 63).
Multiplicadas pelos seus ministros, penetram elas a fundo nas almas. Mas, para isso, devem vir robustecidas pelo exemplo de vida do pregador, e por sua convicção de que tudo depende da ação da graça divina. Elas, assim, se tornarão fecundas. Pois a palavra vivificada pelo Espírito nunca é proferida sem produzir os seus efeitos.
Quantos e quantos exemplos a história da Igreja nos legou de pregadores que, convencidos desse poder de que é dotada a sua palavra, obtiveram grandes feitos: é um São Remígio que converte o rei Clóvis e, com este, toda a nação dos francos, iniciando a edificação da Europa católica; é um São João de Capistrano que lidera os cristãos na defesa vitoriosa de Belgrado, conseguindo salvar todo o continente; é um Beato José de Anchieta que pacifica milhares de indígenas em torno da jovem colônia portuguesa no Brasil, lançando as bases dessa nação.
Mas, quiçá mais impressionante que essas façanhas históricas sejam as conversões ocorridas durante a rotineira homilia da Missa dominical, ou por ocasião de conselhos no Sacramento da Reconciliação, ou ainda numa pregação de retiro, por exemplo. São verdadeiros milagres espirituais ocorridos diariamente em todo o mundo, aberturas de alma para a voz da graça as quais muitas vezes permanecem envoltas na discrição, sem conhecimento sequer do sacerdote.

A palavra pode, pois, converter e edificar, aplainar e estimular ao bem. Trata-se de o sacerdote se compenetrar desse poder que lhe vem de Nosso Senhor.

sábado, 25 de janeiro de 2014

Ambientes que favorecem a virtude

Deus estabeleceu misteriosas e admiráveis relações entre certas formas, cores, sons, perfumes, sabores e, de outro lado, certos estados de alma. Por esses meios pode-se influenciar a fundo as mentalidades e induzir pessoas, famílias ou povos a adotarem um determinado estado de espírito.
Assim, o solene bimbalhar do sino tem o condão de elevar o pensamento para o sobrenatural. O perfume do incenso põe-nos em estado de oração. E, conjugando vários desses elementos, é possível criar ambientes que oponham barreiras às nossas paixões desregradas e predisponham o espírito para desejar o Céu.
Ora, a recíproca também é verdadeira. A análise das manifestações artísticas de uma civilização apresenta-se como um dos melhores recursos para conhecer sua forma de pensar, pois o ideal de beleza e harmonia que nela impere estará sempre intimamente ligado aos princípios filosóficos e morais que a conformam.
A alma do homem medieval, equilibrada e sequiosa de transcendência, é admiravelmente expressa pelas formas esguias das catedrais góticas, sua diáfana concepção do espaço, o rico colorido dos vitrais e a expressividade das esculturas. Elas conseguem transmitir certos aspectos imponderáveis da filosofia e a teologia da época que nem sequer nos sublimes raciocínios do Doutor Angélico é possível achar.
Mais ainda do que a arquitetura, tem a música o poder de despertar sentimentos e, através deles, influir nos estados de espírito e até nas mentalidades. Pensemos no que seria, por exemplo, um desfile militar em completo silêncio, um filme de ação desprovido de trilha sonora ou uma festa de Natal sem o “Noite Feliz”. A essência do fato permaneceria a mesma, mas faltar-lhe-ia uma das principais vias para atingir o interior da alma humana.
Por isso, desde os mais antigos tempos tem a Igreja recorrido também a essa arte, no intuito de levar as almas para a consideração das coisas celestes. Nos primeiros séculos, ouviam-se apenas cantos a cappella, com linhas melódicas simples cujo poderoso efeito foi, entretanto, louvado por Santo Agostinho: “Sinto que nossas almas se movem mais devota e ardorosamente para a chama da piedade, com essas letras sagradas, quando elas assim são cantadas” (Confessionum X, c.33, n.49).
Surgiram depois o contraponto, a polifonia, os oratórios sacros, as Missas dos grandes compositores. Desdobrada numa imensa variedade de estilos, a música não fez senão confirmar ao longo dos séculos sua capacidade “de remeter, para além de si mesma, para o Criador de qualquer harmonia, suscitando em nós ressonâncias que são como um sintonizar-se com a beleza e a verdade de Deus com aquela realidade que sabedoria humana alguma ou filosofia podem expressar” (Bento XVI, discurso 4/9/2007).
Não nos enganemos, portanto, considerando a arquitetura e a música como meros exercícios de estética desprovidos de transcendência. Por meio delas pode-se criar ambientes que favoreçam a prática da virtude e promovam a nossa santificação.

Não será este um dos meios mais eficazes, e talvez dos menos utilizados, para evangelizar os homens de hoje?