quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

O zelo e a dor

Ao iniciar sua vida pública, após ter realizado o primeiro milagre, transmutando a água em vinho nas bodas de Caná, Nosso Senhor Jesus Cristo quis manifestar seu ardoroso zelo pela casa do Pai. Subiu a Jerusalém, onde deparou-Se com vendedores de animais e cambistas de moedas, instalados no átrio de acesso ao Templo. Vendo aquela desordem, tomou-Se de santa cólera e, sem nada de temperamental ou de descontrole de suas paixões — muito pelo contrário, por um movimento de suas heroicas e harmônicas virtudes — empunhou um chicote e expulsou todos os que ali se encontravam, até mesmo os cambistas.
Pareceria a abertura de uma missão que iria culminar num insuperável triunfo. Entretanto, tudo terminaria no alto do Calvário, na ignominiosa morte de Cruz.
Tal paradoxo produz espanto à criatura humana. Que uma das Pessoas da Santíssima Trindade Se encarnasse, de si bem pode causar perplexidade; e muito mais considerando que, para poder sofrer, escolhesse um corpo padecente.
Essas reações são compreensíveis, pois nossa natureza não foi criada com vistas ao sofrimento. Deus, ao tirar do nada os seres inteligentes, destinou-os à felicidade. Ora, a existência da dor causa perplexidade, quer aos anjos em estado de prova, quer aos homens.
Essa perplexidade, porém, poderá ser bem maior diante do oferecimento como vítima expiatória, feito pelo Salvador para redimir o gênero humano, aceitando ser preso, flagelado e crucificado. Como assimilar na tranquilidade a profecia de Isaías, escrita tantos séculos antes: “Era desprezado, era a escória da humanidade, homem das dores, experimentado nos sofrimentos; como aqueles diante dos quais se cobre o rosto, era amaldiçoado, e não fazíamos caso d’Ele” (Is 53, 3)? Ele, que flagelara, foi flagelado. Ele, a quem queriam proclamar rei, viu-Se coroado de espinhos. Ele, que atirara ao solo as mercadorias, caiu três vezes sob o peso da Cruz... Por que, a partir do auge de triunfante zelo, chega-se a este auge de dor, que foi a Paixão?
Em Nosso Senhor Jesus Cristo tudo é perfeito, porque Ele, enquanto Deus, é a perfeição em substância. Em sua própria natureza humana, unida hipostaticamente à Divindade na Pessoa do Verbo, também tudo é perfeito. É nesta perfeição que encontramos virtudes aparentemente opostas, em inteira harmonia: o zelo e a dor.
Do mesmo modo que os vícios, as virtudes são todas coligadas entre si. Quando uma delas chega a ser praticada em grau heroico, eleva consigo as outras. Em Nosso Senhor o firmamento das virtudes é constituído por estrelas que alcançam seu máximo esplendor. Assim sendo, as virtudes, por mais opostas que pareçam à primeira vista, são irmanadas e se revertem umas nas outras. Por aí entendemos o quanto o zelo pela causa de Deus pode ser harmônico, e até mesmo a própria base, do desejo de entregar-Se como vítima expiatória, para a glória do Pai e a salvação das almas. Em Jesus, a bondade e a cólera, como também a dor e o zelo, se unem, se osculam e se requintam.

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