quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

O centro deve estar sempre ocupado por Deus

Precedendo as solenidades mais importantes - o Nascimento do salvador e sua Paixão, Morte e Ressurreição - a Igreja destina dois períodos de preparação: o Advento e a Quaresma, pois convém que , para celebrar tão elevados e sublimes mistérios, os fiéis purifiquem suas almas das misérias e apegos, tornando-as mais aptas a receber as dádivas celestes. Monsenhor João comenta um trecho do Evangelho de São Mateus :

Guardai-vos de fazer vossas boas obras diante dos homens, para serdes vistos por eles. Do contrário, não tereis recompensa junto de vosso Pai que está no céu.
Difícil era os fariseus serem alheios à hipocrisia. Levados por um supino orgulho, voltavam-se para si mesmos a ponto de se esquecer de Deus, fazendo suas boas obras com o intuito de angariar prestígio "diante dos homens".
O defeito apontado por Nosso Senhor era comum entre eles, e infelizmente não é raro também em nossos dias. Transbordam das sagradas escrituras conselhos sobre esse pecado capital, raiz de muitos vícios, principalmente no livro do Eclesiastes: "Vaidade das vaidades, tudo é vaidade(Ecl1,2). É essa a preocupação do Divino Mestre.
A respeito dos atos humanos podemos afirmar que alguns são neutros, com por exemplo cantar ou pintar. a substância e o mérito lhes advém da intenção e da finalidade com as quais os executamos. Outros são bons de per se, por estarem ordenados pela razão a um objetivo honesto. Mas, segundo o Doutor Angélico, "pode acontecer que um ato em si mesmo virtuoso se torne, eventualmente, vicioso, devido a certas circunstâncias".
Ora, a vaidade macula muitas vezes nossos atos de virtude e nos rouba os méritos. Pois, como sublinha o Cardeal Gomá, ela é " perniciosíssimo inimigo das boas obras: praticá-las com o escopo de ser visto e admirado pelos outros, é perder a recompensa que lhes corresponde quando são feitas com reta intenção".
Afirmam os mestres da vida espiritual ser a vaidade um vício tão arraigado no homem que, por assim dizer, somente o abandona meia hora depois de sua morte. Para vencê-lo, requer-se muita oração, paciência e esforço. Oração, porque por meio dela se obtêm as graças para combatê-lo. Paciência e esforço, porque devemos lutar contra ele dia e noite, impedindo-o de instalar-se em noss alma, como recomenda São João Crisóstomo: "É necessário prestar muita atenção em sua entrada, do mesmo modo como alguém põe-se em guarda contra uma fera prestes a atacar quem não está vigilante".
Poderíamos, então, usar uma expressão forte, mas muito verdadeira: a vaidade é o principal sorvedouro por onde escoam os méritos das nossas orações e boas obras. Ela é também um veneno para a alma, porque deixa desprovida de forças para enfrentar as tentaçõese, portanto, exposta a toda espécie de fraquezas e capitulações.
Convém notar, de outro lado, que ao dizer-nos: “Guardai-vos de fazer as boas obras diante dos homens, com o fim de serdes vistos por eles”, não nos convida o Mestre a sempre nos ocultarmos para fazer o bem, pois praticar a justiça diante dos homens pode ser motivo de edificação para o próximo e de glória para o Criador, com sublinha o grande Bossuet: “Ele não nos proíbe de praticar a justiça cristã em todas as oportunidades, para edificação do próximo; pelo contrário, disse Ele: ‘Brilhe vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos Céus.[…] Edificai o próximo, por vossas ações externas, e tudo em vós, até mesmo um piscar de olhos, seja ordenado, mas tudo se faça com naturalidade e simplicidade, visando dar glória a Deus”.
Dar esmola visando o aplauso
Quando, pois, dás esmola, não toques a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas e nas ruas, para serem louvados pelos homens. Em verdade eu vos digo: já receberam sua recompensa.
Não tendo recebido ainda a seiva regeneradora do Cristianismo, na humanidade daquela época imperava de tal modo o egoísmo, que o dar esmola era prática incomum. Quem o fazia, julgava-se merecedor do aplauso dos demais, por sua pretensa bondade. Daí ser costume dar esmola “com muita ostentação”.
Mais ainda: “Parece que, para exercitar a generosidade, estabeleceu-se o hábito de proclamar o nome dos doadores […] e chegava-se mesmo a honrá-los, oferecendo-lhes os primeiros lugares na sinagoga”.
Ora, ensina Nosso Senhor, nesta passagem do Evangelho, que quem dá esmola para obter a aprovação dos outros pode considerar-se bem pago pelos elogios assim obtidos. Não lhe cabe esperar um prêmio sobrenatural, pois, conforme acentua o padre Tuya, “Deus recompensa em justiça sobrenatural somente aquilo que se faz sobrenaturalmente por amor a Ele, assim como repugna-Lhe esse censurável procedimento que é a hipocrisia farisaica”.
Quem, entretanto, dá esmola discretamente, apenas diante de Deus e por amor a Deus, este sim, d´Ele receberá a recompensa.


O prêmio, devemos esperá-lo apenas de Deus
Quando deres esmola, que tua mão esquerda não saiba o que fez a direita.Assim, a tua esmola se fará em segredo; e teu Pai, que vê o escondido, recompensar-te-á.



No versículo anterior, Nosso senhor recrimina aqueles que visam a vanglória na prática da esmola; neste, censura-nos o comprazimento vaidoso ao realizarmos as boas obras. Para combater esse defeito, precisamos esforça-nos para não deter nossa atenção naquilo que fazemos de bom. “Se fosse possível – comenta Bossuet -, seria necessário esconder de vós mesmos o bem que fazeis; procurai ocultar a vossos olhos pelo menos o seu mérito; […] empenhai-vos na prática da boa obra a ponto de jamais vos preocupar com o que dela vos resultará: deixai tudo por conta de Deus, assim só Ele vos verá, vos ocultareis de vós mesmos”.
Na mesma linha opina o Cardeal Gomá: “ Se possível fosse, até nós deveríamos ignorar nossas esmolas. A recompensa, devemos esperá-la somente de Deus”.
Completando essas afirmações, esclarece Maldonado: “Não há culpa em ser visto pelos outros quando se faz o bem, mas sim em desejar ser visto. Também não há culpa em querer ser visto, desde que não seja para conseguir o elogio dos homens. ‘Brilhe vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos céus’”.

É vã a oração de quem visa as exterioridades

Quando orardes, não façais como os hipócritas, que gostam de orar de pé nas sinagogas e nas esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade eu vos digo: já receberam sua recompensa.

Naquela época, era dever de todo varão judeu rezar três vezes por dia: de manhã, coincidindo com o sacrifício matutino, ao meio-dia e na hora do sacrifício vespertino. As preces eram feitas geralmente de pé, com os braços erguidos para o Céu como a simbolizar o dom que se esperava receber.

As pessoas costumavam orar no interior das próprias casas. Os fariseus, porém, escolhiam para tal os lugares mais visíveis nas sinagogas ou nas praças públicas. Ali gesticulavam e repetiam de cor grande número de orações, de forma a impressionar quem por lá passava. Inútil dizer que eram vãs essas preces, pois eles já tinham obtido o que almejavam: o aplauso dos transeuntes.
Não caiamos, entretanto no erro de pensar que Nosso Senhor condena toda oração feita em público. O Divino Mestre recrimina neste versículo apenas a preocupação com as exterioridades, tão frequente nos homens daquele tempo, e a atitude genérica das pessoas que rezam com ostentação ou procurando unicamente o louvor dos semelhantes.

Na nossa vida de piedade, devemos procurar ser discretos
Quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora ao teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê num lugar oculto, recompensar-te-á.
A essência da oração, ensina o Catecismo, é a “elevação da mente a Deus”. Assim, é possível a qualquer um permanecer em oração inclusive durante os atos comuns da vida, realizando-os com o espírito voltado para o Céu.
Portanto, para rezar não é preciso tomar atitude espalhafatosa dos fariseus. Devemos, pelo contrário, ser discretos nas manifestações externas de nossa piedade particular, evitando gestos ou palavras que ponham em realce nossa própria pessoa.
Mas se, apesar disso, nossa devoção for notada pelos outros, não devemos nos perturbar, tranquilizemo-nos com este ensinamento de Santo Agostinho: “Não há pecado em ser visto pelos homens, mas sim em proceder com a finalidade de ser visto”.