terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Serenidade, filha da confiança inabalável

Ele dormia. As ondas batiam, o vento soprava. Entre os estalos da barca e as vozes dos pescadores, o barulho era ensurdecedor. Mas Ele, impassível, dormia. Os Apóstolos, ainda não habituados ao olhar da fé, preocupavam-se mais em encontrar soluções humanas que em pedir o auxílio divino. E fracassados no seu intento, em vez de se voltarem esperançosos para um milagre vindo da mão divina, repreendem zangados a quem os podia salvar: “Mestre, não Te importa que pereçamos?” (Mc 4, 38).
Oh, atitude tristemente frequente!... A figura do Mestre deitado numa barca que afunda é clássica. Porque também é clássico que o homem, inveteradamente autossuficiente, busque em si, e não em Deus, a solução para seus problemas. Problemas que são, por sua vez, permitidos por Deus para que o homem reconheça que, sem Ele, nada pode fazer (cf. Jo 15, 5). Por isto Jesus, às vezes, finge cochilar...
O orgulho muitas vezes se nega a dar-se por vencido. Há quem veja, entre aqueles que exigiam a Crucifixão de Nosso Senhor, um ímpeto de vingança pelo fato de o Salvador ter-Se negado a lhes conceder a realização de seu sonho messiânico, o qual não consistia em alcançar, nem a glória de Deus, nem a santidade individual, mas benefícios humanos e terrenos, quando não diretamente ilícitos.
Assim, diante da provação, o homem tem dois caminhos: um sobrenatural, de resignação humilde e de esperança confiante, que junta as mãos, e pede a Deus proteção e auxílio; outro, orgulhoso, que vê na dor, destinada a purificá-lo e uni-lo mais ao Pai, uma punição indevida. Nestes tristes casos, sói então acontecer que o homem mundano, de dentro de sua iniquidade, acuse a Deus de injustiça (cf. Ez 18, 25), e por ódio pecaminoso contra a origem de toda justiça, procure matar o Autor da vida.
No caos do mundo atual, enquanto alguns acusam a Deus, outros Lhe devotam uma indiferença sistemática e outros ainda se voltam suplicantes para o mundano, o terreno: política, tecnologia, soluções ambientais, ações sociais... São pescadores na tempestade, afanando-se entre cordas, mastros e velas. Quem hoje se lembra de recorrer filial, ardente e devotamente Àquele que, sereníssimo, parece dormir na barca?
E, entretanto, está Ele constantemente junto a nós, sempre disposto a nos atender, amparar e proteger, desde que recorramos a Ele, com humildade e retidão; acaso ter-se-ia diminuído o poder d’Aquele que curou leprosos, deu a vista a cegos, ressuscitou mortos, expulsou demônios, com uma palavra?

“Uns põem sua força nos carros, outros nos cavalos; nós, porém, a temos no nome do Senhor, nosso Deus”, diz o salmista (Sl 19, 8). Ao contrário do que prega o mundo, têm nas mãos o timão da História os que confiam além de toda esperança, com os olhos postos n’Aquele que afirmou: “Coragem, Eu venci o mundo!” (Jo 16, 33). E é a estes gigantes da fé que verdadeiramente pertence o futuro. Aqueles para quem, como dizia Santa Teresa de Jesus, "só Deus basta".
Revista Arautos do Evangelho