terça-feira, 4 de março de 2008

A Lei de Deus, eterna e imutável, nos dá a verdadeira liberdade

Numa homilia da quarta-feira da terceira semana da Quaresma, em 22 de março de 2006, o Mons. João Clá explica com clareza que a Lei de Deus, por ter um Autor eterno, é também eterna e inalterável. Ele nos mostra em que consiste a verdadeira liberdade, tendo como ponto de partida, o capítulo 5, 17-18 do Evangelho de São Mateus.

“Não penseis que vim abolir a Lei e os profetas. Não vim para abolir, mas para dar-lhes pleno cumprimento. Em verdade eu vos digo, antes que o céu e a terra deixem de existir, nem uma só letra ou vírgula serão tiradas da Lei, sem que tudo se cumpra”.


São Paulo diz que não é a lei que salva, mas sim Nosso Senhor Jesus Cristo. Entretanto, a liturgia hoje nos vem sublinhar bem que existe uma lei, e que Nosso Senhor não veio para aboli-la ou diminuí-la, mas veio para dar plenitude a ela e aos profetas.

Plenitude! Se coubesse em nossa cabeça o que é a eternidade que houve antes de nós... Deus viveu eternamente antes de criar o mundo. Em que momento da eternidade Ele criou? Não há momento na eternidade. Se nós falamos sobre a eternidade, começamos a patinar mais do que carro em terreno cheio de barro.

Certa vez, Santo Agostinho estava transtornado com o problema da eternidade que fica para trás e queria explicá-lo. Estava querendo explicar também como é a eternidade que vem pela frente, e pensava nisto: “Bom, um pé que fosse eterno e que pisasse sobre uma areia que fosse eterna, deixaria uma marca que seria eterna. Mas acontece que houve um momento em que essa marca passou a existir, enquanto que a eternidade sempre existiu!” Ele estava atormentado com o problema da eternidade.
E ele costumava discutir com São Jerônimo. São Jerônimo sempre foi uma alma reta, nunca tinha andado pelos erros e pelas heresias, ao passo que Santo Agostinho, tendo saído dos maniqueus, vinha trazendo uma série de problemas que precisavam ser explicados. São Jerônimo era muito mais velho que Santo Agostinho.

Enquanto Santo Agostinho estava debatendo consigo mesmo o problema da eternidade, de repente olha e vê São Jerônimo com uma bengala, com a barba branca, cheio de luz, dizendo: “Agostinho, o olho humano jamais viu, o ouvido humano jamais ouviu, a inteligência humana jamais concebeu. Espera e verás”.

São Jerônimo tinha acabado de morrer naquele momento e apareceu a Santo Agostinho para dizer a ele que esse problema não cabe na cabeça do homem enquanto este estiver na Terra. Só por um empréstimo da inteligência de Deus é que se pode compreender a eternidade que ficou para trás e a eternidade que vem pela frente. Ou seja, só depois de passar para eternidade é que compreenderemos o que ela é.
Ora, sendo Deus eterno, eterna é também a sua determinação, eterna é a sua Lei. Sendo eterno, Deus não pode fazer uma Lei que vá mudando como mudam os políticos. O poder legislativo faz leis que às vezes são contrárias à gestão anterior, revoga uma lei antecedente e faz uma lei completamente oposta. A legislação de Deus, pelo contrário, Ele a fez para toda a eternidade.

Por que essa Lei é eterna? Porque Deus não fez essa Lei por capricho. Deus é a Perfeição, Deus é a Verdade, Deus é o Bem, Deus é a Justiça, Deus é a Retidão. Portanto, Ele é a Lei.

Todo o universo criado se encontra sintetizado no homem: os Anjos sintetizados na alma humana; os animais sintetizados e sublimados; os vegetais sublimados e a natureza mineral também sublimada no homem. Então, o homem é uma espécie de micro universo. Ora, o universo criado por Deus está todo coordenado segundo leis que Ele pôs e segundo Anjos que vão controlando. E o homem no Paraíso tinha um dom chamado dom de integridade, que subjugava todas as partes inferiores à parte superior, que é a fé. Logo, a fé dava a nota para todas as outras leis se ordenarem.
Ao pecar, o homem perdeu todos os dons, e inclusive esse dom de integridade. Aí foi o desastre, porque cada parte quis fazer valer sua lei. É mais ou menos como se numa cidade, bem composta nos seus poderes legislativo, executivo e religioso, de repente faltasse alguém que desse o tônus da harmonia àquilo tudo e cada um começasse a exigir seus caprichos: a cidade viraria um caos. E assim, o homem virou um caos.

Apesar de o homem ter virado um caos, em seu coração, por instinto, está gravada a Lei de Deus. O que Deus escreveu nas tábuas que entregou a Moisés, isto Ele escreveu no nosso coração, essas leis existem no nosso coração. Quando deu as tábuas para Moisés, o que Deus fez foi promulgar uma Lei que já estava escrita no nosso coração.

Alguém poderia pensar: “Nossa, Deus nos deu uma Lei pesada!” É exatamente o contrário. Pesado é o pecado, o pecado é que torna difícil a vida do homem.

O pecador é escravo do pecado. Quem comete o pecado uma vez, duas vezes, três vezes, fica escravo do pecado. Esse perdeu a liberdade, porque quem é escravo perdeu a liberdade. Perdendo a liberdade, ele entra na prática de uma lei que é terrível: a lei da morte, porque o pecado é a morte. Quem está com a Lei de Deus, esse está com a vida de Deus.

Portanto, Deus nos deu a Lei para nos entregar a liberdade, para que possamos ser como Ele, para que possamos um dia vê-lo face-a-face, para que entremos em consonância inteira com Ele.