Para obter que Nosso Senhor nos abra a porta, basta ser importuno. Isso está dito textualmente e comentado por um Doutor da Igreja do porte de Santo Afonso de Ligório.
Devemos considerar, de uma vez por todas que, na oração, não são nossas misérias que entram em linha de conta.
A oração não é um cheque bancário contra Deus
A oração tampouco é um cheque que eu saco do fundo dos meus créditos e compro de Deus um favor. É preciso desfazer tal idéia, pois é um obstáculo para o desenvolvimento da nossa vida espiritual.
Oração é algo diferente. Ainda que eu não tenha nenhuma razão para ser atendido, sê-lo-ei pela minha importunidade. A importunidade do pecador abre as portas do Céu e obtém, afinal, tudo quanto possa desejar. É frisante, nesse sentido, a palavra de Nosso Senhor.
S. João Crisóstomo, grande Doutor da Igreja, comenta no mesmo sentido:
A oração vale mais junto de Deus do que a amizade.
É uma afirmação que eu não teria coragem de fazer: estabelecer uma distinção entre a oração e a amizade com Deus, para concluir que a primeira vale mais que a segunda. Ora, isso foi dito por São João Crisóstomo, que Santo Afonso por sua vez cita. A oração vale mais diante de Deus do que a amizade. Entre uma pessoa em estado de graça, mas que não reza, e outra que reza mas não está em estado de graça, quem reza alcança mais favor diante de Deus.
Outro argumento interessante, invocado por Santo Afonso para justificar a tese de ser a oração do pecador eficaz e grata diante de Deus, é a passagem evangélica em que Nosso Senhor elogia a oração do publicano: “Assim é que se deve rezar!” Qual é o título que o publicano apresenta diante de Deus para ser atendido? Não é o “cheque” que os fariseus apresentam: “Agora tu, Deus, que me pões uma barreira, tu tens que me dar um prêmio, porque eu fiz algo. Aqui está o que eu fiz!”
Na sua oração, pelo contrário, o publicano invoca o título de pecador:
“Deus, sede-me propício, a mim que sou pecador”.
Ora, tendo alegado esse título de pecador, o Evangelho acrescenta: ... este (o publicano) voltou justificado para a sua casa (Lc 18,14).
Quando nós alegamos o título de pecador, somos atendidos.
É engano achar que devemos estar num alto grau de virtude para que nossas orações sejam atendidas por Nosso Senhor. É preciso abandonar essa idéia heterodoxa, se quisermos ter verdadeiro espírito católico.
Outra frase, também muito interessante, é tirada de uma oração do Profeta Daniel:
Inclinai, meu Deus, o vosso ouvido, e ouvi-me (...) porque nós, prostando-nos por terra diante da vossa face, não fazemos essas deprecações fundadas em alguns merecimentos de nossa justiça, mas sim, na multidão das vossas misericórdias (Dan 9, 18).
Essas palavras, ditas pelo Profeta, não constituem figura de retórica, como quem dissesse: “Vê tudo isto! eu ainda vou pôr mais um enfeite, vou dizer que não tenho nada. Mas, é para mostrar que eu sou humilde e, portanto, não digas que há contrabando na minha mercadoria. Dá-me agora aquilo que tu me prometeste!”
Não se trata disso. A humildade está presente na verdade, e na oração não pode haver mentiras. O Profeta Daniel, realmente, se dirige a Deus em nome do povo judeu, carregado de pecados e prostrado por terra.
Esse povo judeu, prostrado pelo pecado, na condição de pecador, faz uma oração. Ele alega essa condição ao se apresentar ante Deus e é atendido.
É uma oração tirada da Bíblia, inspirada pelo Espírito Santo. Assim, compreendemos quanta confiança também nós devemos ter.
O pior do pecado é o desespero
Há outro trecho, dessa vez tirado de São Mateus: Vinde a mim todos que andais em trabalho e vos achais carregados que eu vos aliviarei (Mt 11, 28).
Segundo São Jerônimo, Santo Agostinho e outros, qual é essa categoria de gente que está em trabalhos?
São os pecadores que têm algum pesar de ter cometido pecado. Esse é o sentido da palavra trabalho, neste contexto. É para esses pecadores que Nosso Senhor disse: “Vinde a mim que Eu vos aliviarei”.
Quanta cordura e quanto amor ao pecador! Quanto desejo de atraí-lo! Que absurdo, que aberração comete o pecador se ele se desespera! O pior do pecado dele não é a falta, é o desespero. Enquanto ele conservar a confiança ele pode voltar, e há torrentes de razão para confiar.
Outra citação, também muito interessante:
“Não desejas — diz São João Crisóstomo dirigindo-se ao pecador — tanto a remissão de teus pecados quanto Deus deseja perdoar-te”.
São João Crisóstomo, ao ver um pecador querendo sair do seu pecado lhe diz: “Deus deseja mais que tu te convertas, do que tu mesmo o desejas”.
Compreende-se, portanto, quanta confiança deve ter um pecador quando ele pede sua conversão a Deus. Ele pede uma graça que o próprio Deus deseja mais do que ele. Como não ter toda a confiança?
Importunidade, o principal requisito da oração
Ainda São João Crisóstomo, ao comentar São Mateus, diz:
“Não há o que não obtenhas pela oração, ainda que estejas carregado de mil pecados, contanto que a oração seja instante e contínua” (Hom. 23 in Matth).
Note-se bem que São João Crisóstomo é um dos grandes Doutores da Igreja.
Sua frase condensa o que acima afirmávamos. “Não há o que não obtenhas pela oração”, diz ele. Ou seja, ele inclui tudo. “Ainda que estejas carregado de mil pecados...”, não de um só pecado.
Para se obter o que se pede, a condição será ter firme propósito ou qualquer outra coisa? Não, não é. “Contanto que a oração seja instante e contínua”, não é necessário mais nada.
É preciso ser importuno. A oração obtém tudo na medida em que é insistente, caso contrário não é boa oração. Mais claro não podia ser. Ou as palavras humanas não têm sentido, ou o sentido é esse.
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