Era noite, a ordem do universo havia sido abalada no seu cerne mais íntimo, até as areias dos oceanos e dos astros sofriam as conseqüências do grande crime do deicídio iniciado no Horto das Oliveiras e consumado no Calvário. No sepulcro jazia um Corpo dilacerado pela ação dos flagelos da impiedade, tendo sua cabeça perfurada por espinhos e o costado por uma lança. No lado externo encontram-se vigias mercenários a fim de evitar o roubo daqueles restos mortais. Essa era a grande tensão que os afligia, e sua desconfiança se concentrava em qualquer movimento ou ruído pelas redondezas. Incrédulos, não penetravam nos mistérios daquela segunda noite de trabalho.
A boa distância dali, dormiam os discípulos o sono leve e assustadiço dos apavorados. Sentiam o peso das ameaças, da perseguição e da própria consciência. Tudo parecia perdido e nenhuma fímbria de esperança se fazia sentir no horizonte carregado de maus pressentimentos. O Mestre fizera um número incontável de milagres e chegara até mesmo a ressuscitar mortos, mas como poderia Ele ressuscitar a Si próprio, estando inerte a sua capacidade de ação? Importava sobremaneira que as portas e janelas estivessem bem trancadas, pois a qualquer momento poderiam, também eles, serem alvo de investida dos mesmos agressores...
As almas mais fervorosas, como Maria Madalena e as Santas Mulheres, ansiavam por conferir àquele Corpo todo o calor da devoção que lhes transbordava dos corações. Tinham toda razão, pois, sem nunca terem ouvido uma aula de Teologia, guardavam um culto de latria por aquele defunto e, realmente, apesar de Corpo e Alma estarem separados pela morte, ambos se encontravam unidos a Deus pelos fortíssimos laços da União Hipostática e, portanto, seu cadáver bem merecia ser adorado.
Os objetivos de cada conjunto eram bem distintos. Um só ponto lhes era comum: a ninguém ocorria a idéia de uma auto-ressurreição. Apenas uma entre todos aguardava o grande momento, com fé insuperável: Maria, Mãe de Jesus.
A certa altura da madrugada do terceiro dia, eis que a lápide sofre um grande golpe e salta longe, os guardas desmaiam e, refulgente como um sol, em toda a sua glória, ressurge o Mestre dando início a uma nova era histórica...
* * *
Percorrendo este mundo afora, em especial a própria e tão querida Europa constata-se uma enorme crise de espiritualidade. Deus deixou de ser o centro das preocupações, como fora outrora, e o materialismo substituiu, a passos apressados, a verdadeira religião. Uma dramática situação pois, segundo uma declaração de Bento XVI, na época Cardeal Ratzinger, a Europa “parece ter-se esvaziado em seu interior, paralisada, em certo sentido, pela crise de seu sistema circulatório”. Dizia ainda mais: “Impõe-se uma comparação com o Império Romano em decadência: ele ainda funcionava como um grande arcabouço histórico, mas na realidade vivia já daqueles que deviam dissolvê-lo, pois nele próprio já não restava nenhuma energia vital” (Conferência no Senado italiano, 13/6/2004).
Porém, não será essa a situação dos cinco continentes, com estes ou aqueles conformes? De fato, o mundo caminha para uma terrível ruína, em todos os campos: social, econômico, religioso, ecológico, moral, etc. Serão nossos horizontes, hoje, menos carregados que os dos Apóstolos naquela trágica noite? E nosso sono mais tranqüilo? São menores as ameaças que nos cercam e mais leves nossas consciências?
Eis a necessidade de nos unirmos à Fé de Maria Santíssima nesta terrível hora de apreensão e com Ela crermos numa nova ressurreição: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará”.
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