Ele dormia. As ondas
batiam, o vento soprava. Entre os estalos da barca e as vozes dos pescadores, o
barulho era ensurdecedor. Mas Ele, impassível, dormia. Os Apóstolos, ainda não
habituados ao olhar da fé, preocupavam-se mais em encontrar soluções humanas
que em pedir o auxílio divino. E fracassados no seu intento, em vez de se
voltarem esperançosos para um milagre vindo da mão divina, repreendem zangados
a quem os podia salvar: “Mestre, não Te importa que pereçamos?” (Mc 4, 38).
Oh, atitude
tristemente frequente!... A figura do Mestre deitado numa barca que afunda é
clássica. Porque também é clássico que o homem, inveteradamente autossuficiente,
busque em si, e não em Deus, a solução para seus problemas. Problemas que são,
por sua vez, permitidos por Deus para que o homem reconheça que, sem Ele, nada
pode fazer (cf. Jo 15, 5). Por isto Jesus, às vezes, finge cochilar...
O orgulho muitas
vezes se nega a dar-se por vencido. Há quem veja, entre aqueles que exigiam a
Crucifixão de Nosso Senhor, um ímpeto de vingança pelo fato de o Salvador
ter-Se negado a lhes conceder a realização de seu sonho messiânico, o qual não
consistia em alcançar, nem a glória de Deus, nem a santidade individual, mas
benefícios humanos e terrenos, quando não diretamente ilícitos.
Assim, diante da
provação, o homem tem dois caminhos: um sobrenatural, de resignação humilde e
de esperança confiante, que junta as mãos, e pede a Deus proteção e auxílio;
outro, orgulhoso, que vê na dor, destinada a purificá-lo e uni-lo mais ao Pai,
uma punição indevida. Nestes tristes casos, sói então acontecer que o homem
mundano, de dentro de sua iniquidade, acuse a Deus de injustiça (cf. Ez 18, 25),
e por ódio pecaminoso contra a origem de toda justiça, procure matar o Autor da
vida.
No caos do mundo
atual, enquanto alguns acusam a Deus, outros Lhe devotam uma indiferença
sistemática e outros ainda se voltam suplicantes para o mundano, o terreno:
política, tecnologia, soluções ambientais, ações sociais... São pescadores na
tempestade, afanando-se entre cordas, mastros e velas. Quem hoje se lembra de
recorrer filial, ardente e devotamente Àquele que, sereníssimo, parece dormir
na barca?
E, entretanto, está
Ele constantemente junto a nós, sempre disposto a nos atender, amparar e
proteger, desde que recorramos a Ele, com humildade e retidão; acaso ter-se-ia
diminuído o poder d’Aquele que curou leprosos, deu a vista a cegos, ressuscitou
mortos, expulsou demônios, com uma palavra?
“Uns põem sua força
nos carros, outros nos cavalos; nós, porém, a temos no nome do Senhor, nosso
Deus”, diz o salmista (Sl 19, 8). Ao contrário do que prega o mundo, têm nas
mãos o timão da História os que confiam além de toda esperança, com os olhos
postos n’Aquele que afirmou: “Coragem, Eu venci o mundo!” (Jo 16, 33). E é a
estes gigantes da fé que verdadeiramente pertence o futuro. Aqueles para quem,
como dizia Santa Teresa de Jesus, "só Deus basta".
Revista Arautos do Evangelho
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