“Os céus publicam a glória de Deus, e o firmamento anuncia a obra das suas mãos”, canta o Rei Davi no Salmo 18, resumindo numa frase a restituição dos seres minerais a Deus, por terem sido objeto de seu dom criador. São inanimados, mas se vida possuíssem, cantariam eternamente essa grande dadivosidade divina a fim de fazer-Lhe retornar em louvor os bens recebidos. E continua o Salmista: “Um dia transmite esta mensagem ao outro dia, e uma noite comunica-a à outra noite. Não é uma palavra nem uma linguagem, cuja voz não possa perceber-se: o seu som estende-se por toda a terra e as suas palavras até as extremidades do mundo” (Sl 18, 3-5).
Até os pagãos chegaram a reconhecer essa soit-disant manifestação do universo sideral que tão claramente transparece nas considerações de Platão quando afirma deslocarem-se os astros, emitindo cada qual sua melodia, constituindo em seu conjunto a grande sinfonia do universo. Sim, de fato, Deus onipotente, ao criar, só poderia tê-lo feito para sua própria glória. Essa é a causa final da obra dos seis dias, surgida ad extra da Trindade Santa.
Pelo simples fato de existirem, os seres minerais ou inanimados rendem a Deus uma glória material, mas aos inteligentes — anjos e homens — cabe contemplar os reflexos d’Ele esparsos por esse incomensurável horizonte e, no mais perfeito dos movimentos, segundo São Tomás, fazer retornar à Causa Eficiente, ou seja, ao próprio Deus, o seu efeito. É o que se denomina a glória formal ou extrínseca. Têm anjos e homens o dever moral de restituir a Deus, em ação de graças, toda a maravilhosa obra da criação, reconhecendo-Lhe a autoria, sob o risco, ao não fazê-lo, de cair, por castigo, nos piores horrores morais, conforme afirma São Paulo em sua epístola aos Romanos (Rom 1, 18-32).
É justamente nessa perspectiva que se encontra a grande trama da história dos anjos e homens em estado de prova. A primeira grande batalha deu-se no céu entre São Miguel e os anjos bons de um lado, e Satanás e seus sequazes de outro, e o cerne da dissensão não foi senão esse. Ao Non serviam correspondeu o magnífico Quis ut Deus. A apropriação foi, assim, eternamente derrotada pela restituição. É esse também o cerne da bênção de Deus aos povos, às nações, às famílias e aos indivíduos e até mesmo às eras históricas. Os céus se tornam dadivosos em relação àqueles que sabem proclamar as belezas e bondade das criaturas, amorosamente considerando o Ser substancial que as fez surgir do nada.
A gratidão é a mais frágil das virtudes, segundo se costuma afirmar. E realmente é o que se nota com tanta freqüência no relacionamento humano. Mais ainda, quanto as guerras, os crimes, os desentendimentos, etc., não têm em sua raiz um não-reconhecimento dos valores alheios? Sim, como a história angélica, também a humana se concentra nesses dois pólos: o da restituição e o da apropriação. Aí está o destino do processo humano, e do próprio terceiro milênio.
Não é difícil prognosticar o nosso amanhã: se hoje restituímos a Deus o que é de Deus, será de bênção, paz e alegria; se for de apropriação, o castigo, a guerra e a frustração constituirão a paga em seu entardecer.
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